Poético

A Espada de Ouro

A Espada de Ouro

Destaque, Poético
Excelentíssimo General Henrique Duffles Teixeira Lott, A espada de ouro que, por escote, Os seus cupinchas lhe vão brindar, Não vale nada (não leve a mal Que assim lhe fale) se comparada Com a velha espada De aço forjada, Como as demais. Espadas estas Que a Pátria pobre, de mãos honestas, Dá a seus soldados e generais. Seu aço limpo vem das raízes Batalhadoras da nossa história: Aço que fala dos que, felizes, Tombaram puros no chão da glória! O ouro da outra é ouro tirado, Ouro raspado Pelas mãos sujas da pelegada Do bolso gordo dos salafrários Do bolso raso dos operários. É ouro sinistro, Ouro mareado: Mancha o Ministro, Mancha o Soldado. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pó
Madrigal melancólico

Madrigal melancólico

Poético
O que eu adoro em ti, Não é a tua beleza. A beleza, é em nós que ela existe. A beleza é um conceito. E a beleza é triste. Não é triste em si, Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza. O que eu adoro em ti, Não é a tua inteligência. Não é o teu espírito sutil, Tão ágil, tão luminoso, – Ave solta no céu matinal da montanha. Nem é a tua ciência Do coração dos homens e das coisas. O que eu adoro em ti, Não é a tua graça musical, Sucessiva e renovada a cada momento, Graça aérea como o teu próprio pensamento. Graça que perturba e que satisfaz. O que eu adoro em ti, Não é a mãe que já perdi, E nem meu pai. O que eu adoro em tua natureza, Não é o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida. Nem a tua pureza. Nem a tua impureza. O
Momento num café

Momento num café

Poético
Quando o enterro passou Os homens que se achavam no café Tiraram o chapéu maquinalmente Saudavam o morto distraídos Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida. Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Olhando o esquife longamente Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade Que a vida é traição E saudava a matéria que passava Liberta para sempre da alma extinta. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 18, onde o poeta e jornalista Bosco Martins decla
Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser

Poético
Dá a surpresa de ser. É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver seu corpo meio maduro. Seus seios altos parecem (se ela estivesse deitada) dois montinhos que amanhecem sem ter que haver madrugada. E a mão do seu braço branco assenta em palmo espalhado sobre a saliência do flanco do seu relevo tapado. Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gnomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como? Por Fernando Pessoa Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 17, onde o poeta e jornalista Bos
Estreante

Estreante

Manoel de Barros, Poético
Fui morar numa pensão na rua do Catete. A dona era viúva e buliçosa e tinha uma filha Indiana que dava pancas. Me abatia. Ela deixava a porta do banheiro meio aberta e isso me abatia. Eu teria 15 anos e ela 25. Ela me ensinava: Precisa não afobar. Precisa ser bem animal. Como um cavalo. Nobremente. Usar o desorgulho dos animais. Morder lamber cheirar fugir voltar arrodear lamber beijar cheirar fugir voltar até. Nobremente. Como os animais. Isso eu aprendi com minha namorada Indiana. Ela me ensinava com ungüentos. Passava ungüento passava ungüento passava ungüento. Dizia que era um ato religioso foder. E que era preciso adornar os desejos com ungüento. E passava ungüento e passava ungüento. Só depois que adornava bem ela queria. Pregava que fazer amor é uma eucari
Arte de amar

Arte de amar

Poético
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus – ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 15, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Astor Piazzolla, Vinicius de Moraes, Manoel de Ba
Entrevista

Entrevista

Poético
Vida que morre e que subsiste Vária, absurda, sórdida, ávida, Má! Se me indagar um qualquer Repórter: "Que há de mais bonito No ingrato mundo?" Não hesito; Responderei: "De mais bonito Não sei dizer. Mas de mais triste, — De mais triste é uma mulher Grávida. Qualquer mulher grávida." Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 14, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Astor Piazzolla, Vinicius de Moraes, Manoel de Barros e Antôn
Cota Zero

Cota Zero

Poético
Stop. A vida parou ou foi o automóvel? Por Carlos Drummond de Andrade Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 13, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Astor Piazzolla, Vinicius de Moraes, Manoel de Barros e Antônio Maria. Nesta pílula, Bosco Martins recita "Cota zero", de Carlos Drummond de Andrade: ? Ficha técnica: Apresentação: Fernanda Guedes. Declamação: Bosco Martins. Direção: Carlos Diehl. Produção: Lu Tanno. Argumento: Bosco Martins
Cidadezinha qualquer

Cidadezinha qualquer

Poético
Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. Por Carlos Drummond de Andrade Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 12, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Astor Piazzolla, Vinicius de Moraes, Manoel de Barros e Antônio Maria. Nesta pílula, Bosco Martins recita "Cidadezinha qualquer", de Carlos Dr
Aurora

Aurora

Poético
O poeta ia bêbedo no bonde. O dia nascia atrás dos quintais. As pensões alegres dormiam tristíssimas. As casas também iam bêbedas. Tudo era irreparável. Ninguém sabia que o mundo ia acabar (apenas uma criança percebeu mas ficou calada), que o mundo ia acabar às 7 e 45. Últimos pensamentos! últimos telegramas! José, que colocava pronomes, Helena, que amava os homens, Sebastião, que se arruinava, Artur, que não dizia nada, embarcam para a eternidade. O poeta está bêbedo, mas escuta um apelo na aurora: Vamos todos dançar entre o bonde e a árvore? Entre o bonde e a árvore dançai, meus irmãos! Embora sem música dançai, meus irmãos! Os filhos estão nascendo com tamanha espontaneidade. Como é maravilhoso o amor (o amor e outros produtos). Dançai, meus irmãos!