06 Abr 2019

Não vai acontecer aqui

Escrito na década de 1930 por Sinclair Lewis, Não vai acontecer aqui (Amazon é uma fábula sobre a fragilidade da democracia. A história gira em torno de Buzz Windrip, um homem vaidoso, falastrão, anti-imigrantes e demagogo que concorre à presidência dos EUA — e ganha. No poder, declara o Congresso obsoleto, reescreve a Constituição e desencadeia uma onda fascista no país. O novo regime se torna cada vez mais autoritário, mas o jornalista Doremus Jessop pensa que o presidente será logo deposto.

Contexto: O romance foi escrito quando estavam no poder Hitler e Mussolini, e voltou aos holofotes após a vitória de Donald Trump. A obra de Lewis sempre gerou polêmica. Por causa de Elmer Granty, romance que critica o fanatismo religioso de um evangélico corrupto, o autor foi convidado para seu próprio linchamento. Declinou. Lewis também foi o primeiro americano a ganhar o Nobel de Literatura. Concordou com as críticas de que não merecia o prêmio.

Qual livro você não leu, mas diz que leu? Mentir sobre hábitos de leitura é comum. Não só existem muitos livros pra ler como alguns deles se tornam parte de um contexto sociocultural, um símbolo de pertencimento. O ranking ‘Quais são os livros que todos mentem sobre ter lido’ está sempre em atualização e são os próprios ‘leitores’ que votam. Os pesados são os mais comuns mas, se observarmos, veremos que existe algo em comum entre todos. Isso a gente explica no final. Caso o leitor chegue lá.

O sol é para todos, de Harper Lee. Na primeira posição, está a história de um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca nos EIA dos anos 1930. O romance vencedor do Pulitzer foi um sucesso instantâneo, se tornando um dos maiores clássicos da literatura americana moderna. Deu origem a um filme homônimo, vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado em 1962.

Romeu e Julieta, Shakespeare. A trágica história de amor de dois jovens em meio a uma Verona tomada pela guerra civil já foi contada tantas vezes no cinema que é possível que muitos leitores acreditem até terem lido.

Harry Potter e a Pedra Filosofal, por J. K. Rowling. O primeiro livro da saga, com Harry descobrindo sua história e poderes, surpreendentemente está na terceira posição.

O Diário de Anne Frank, por Anne Frank. O emocionante relato que se tornou um dos livros mais lidos do mundo foi publicado pela primeira vez em 1947 e faz parte do cânone do Holocausto. Até hoje não se sabe o que levou à descoberta de Anne e sua família, mas levada para um campo de concentração ela morreu aos 15. Um estudo do Museu Anne Frank, em Amsterdã, sugere que o esconderijo pode ter sido encontrado por acaso. Relembre a trajetória da menina que não conseguiu crescer para se tornar uma escritora ou jornalista, tal qual sonhava.

As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain. É a história de um garoto que vive no sul americano no tempo da escravidão. Tom é um dos personagens mais importantes da literatura americana e sua influência vai da música às histórias em quadrinhos. O personagem criado por Twain, o pai da literatura moderna nos EUA, é citado no livro de Umberto Eco A Misteriosa Chama da Rainha Loanna.

Identificou algum livro conhecido? Senhor dos AnéisO grande Gatsby e até mesmo a Bíblia estão na lista. E sobre o que existe de comum entre os primeiros colocados: pelo menos três foram transformados em filmes. Dá para fingir ter lido.

No final de março agora, o Google desativou definitivamente o Inbox, um app experimental que propunha uma nova forma de interagir com o email. Lançado em outubro de 2014, deixou uma série de fãs decepcionados que chegaram a lançar um abaixo-assinado pedindo para a empresa não matar o software. Além da forma diferente de organizar os emails, Inbox trazia uma série de funcionalidades baseadas em inteligência artificial que auxiliavam na organização de sua caixa de mensagens.

A boa notícia é que aos poucos essas funcionalidades estão aparecendo no Gmail. Essa semana chegaram as opções Smart ReplySmart Compose. Primeiro carece ir à configurações habilitar as funcionalidades. A partir daí, o programa passa a sugerir respostas automáticas , baseadas em seu seu estilo de texto. Para quem quiser mais detalhes, o Verge tem um bom guia.

Galeria: Vancouver. Paisagens urbanas marcantes e cenas de rua pelas lentes de Mado El Khouly, um fotógrafo autodidata. Ele usa a câmera Sony A7R III nessa seleção e mistura as fotos com desenhos e recortes imperdíveis. Tem que ver.

Outra galeria: Na seleção de fotos da semana feita pela AP para América Latina e Caribe, a ‘celebração’ do Golpe no Brasil e as ruas escuras na capital venezuelana.

O QUE PENSAVAM OS NAZISTAS

A história do Nazismo é uma história de como palavras, e os conceitos por trás delas, podem às vezes ser determinantes na política de um país. A polêmica a respeito do movimento alemão levantada esta semana pelo chanceler Ernesto Araújo, depois endossada pelo presidente Jair Bolsonaro, se baseia justamente neste jogo de palavras. O Partido Nazista, ou Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, por carregar o termo ‘socialista’ no nome, seria de esquerda. Não é uma leitura que encontre endosso entre os principais especialistas a respeito da Alemanha de Hitler, tampouco na história ensinada nas escolas de Alemanha ou Israel. Mas seria incorreto sugerir que a questão é simplória. O termo socialista no nome do partido não é trivial: está cheio de significados, profundamente ancorado no que era compreender-se alemão nos anos 1920 e 30. E é uma história que traz ecos relevantes para o mundo de 2019. Afinal, não é à toa que debates a respeito dos conceitos de fascismo, comunismo e nazismo reapareceram no debate político. Os espíritos do tempo se tocam.

Foram difíceis aquelas primeiras décadas de século 20. Por um lado, para quem as viveu, era patente que o mundo havia dado uma guinada, que mudava a olhos vistos. Havia automóveis nas ruas onde, anos antes, ainda se andava a cavalo. O telégrafo, depois o rádio e o telefone, passaram a permitir um nível de instantaneidade de comunicações jamais imaginado. Neste sentido, no de que a tecnologia parecia caminhar mais rápido do que nunca e de que o mundo todo ficava cada vez mais próximo, este início de século 21 é muito parecido com aquele início de século 20.

Mas havia complicadores fundamentais: a economia ainda era essencialmente agrária. A ideia de Estados nacionais era muito recente. O prussiano Otto von Bismarck assumiu o governo de uma Alemanha unificada em 1871. O Reino da Itália é de dez anos antes. Para um alemão de 1920, o conceito de uma só Alemanha era mais recente do que o Golpe de 1964 é para um brasileiro de 2019. Havia inúmeras pessoas vivas com memória do tempo em que não existia país e, assim como na Itália, havia a convicção de que a nação não estava ainda de todo formada. Outros povos por essência alemães — os austríacos, muitos suíços, para dar exemplos — viviam fora da fronteira. (Hitler era austríaco.)

E há um último ponto fundamental: a tragédia única que foi a Primeira Guerra. A tecnologia bélica já avançara para novos padrões, mas o pensamento militar não a acompanhou. Lutou-se a Grande Guerra, que foi de 1914 a 18, como se lutou todas as guerras anteriores: no corpo a corpo. Mas os canhões eram outros, as granadas idem. As armas de mão tampouco precisavam mais ser carregadas bala a bala — havia metralhadoras. E, num tempo em que a química ainda começava a ser dominada de fato, exércitos regulares usaram Gás cloro, Cianureto de hidrogênio e Gás mostarda com um nível de impunidade que, hoje, seria considerado bárbaro. Foi uma carnificina que deixou aleijados traumatizados e gente incapaz de trabalhar como nunca antes.

Ao fim da Guerra e com o Tratado de Versailles, que selou sua paz, a Europa era outra. Versailles impôs dívidas duras a todos os derrotados e dificultou a vida de um dos vitoriosos — a Itália. Àquela altura, o experimento da liberal-democracia ainda era jovem. Com momentos conturbados — a Guerra Civil americana, o período napoleônico, a decadência do Império britânico —, ela ainda existia com alguma saúde nos três países em que nascera. Mas noutros cantos o experimento não parecia cumprir sua promessa. Economias em frangalhos, uma dura migração da produção agrícola para a industrial, maus tratos de trabalhadores fabris, voto garantido apenas a uma elite, e uma pobreza terrível. Até ali, a democracia liberal não entregara uma vida melhor, parecia só um regime como todos os outros. Nos períodos de crise profunda do capitalismo, quando a maneira de fazer dinheiro antiga se desmonta e a maneira nova ainda não se consolidou, o nível de insegurança na sociedade se multiplica e a democracia liberal nunca tem uma resposta imediata. Muita gente não está capacitada para os novos trabalhos que existem, o trabalho de outros tantos deixa de existir. (O problema não é trivial.) E este é um eco com o que vivemos hoje.

O principal movimento artístico do final do século 19 é o Romantismo e uma de suas características é uma celebração da cultura local. O que é ser brasileiro, italiano, alemão. Entre o teatro de Johann von Goethe e a música de Richard Wagner havia no ar uma tentativa de definir o que é ser nacional num país que jamais fora uma nação. E, na Alemanha, duas palavras entraram em choque: Gemeinschaft e Gesellschaft. A primeira pode talvez ser traduzida por comunidade. A segunda, por sociedade.

Ferdinand Tönnies, um filósofo com doutorado pela tradicionalíssima Universidade de Tübingen, publicou em 1877 um livro chamado Gemeishchaft und Gesellschaft. Não era, necessariamente, um homem de direita. Mas Tönnies apontava para uma distinção fundamental entre comunidade e sociedade. A sociedade presente, num país que deixa de ser baseado em pequenas aldeias do mundo agrícola e migra para as grandes cidades industriais, é impessoal. O filósofo e sociólogo percebia uma qualidade perdida naquela comunidade de conhecidos e define, ali, uma oposição que se consolidará no imaginário alemão nas décadas seguintes: comunidade não é sociedade.

Nos primeiros momentos do século 20, à alemã, a palavra ganha amálgama e se estende para VolksgemeinshachaftVolks é povo, no sentido gente comum e normal da palavra. A comunidade do povo. A comunidade do homem comum. Na cabeça do alemão, esta presente oposição entre a comunidade que houve e a sociedade que se formou, lentamente, se inclina para consolidar um conservadorismo padrão: aquele conjunto de ideias que remete a uma visão de que, no passado, era melhor; de que não podemos, como povo, perder a essência do que fomos. A Volksgemeinshachaft — a comunidade do povo — é superior à Gesellschaft, a sociedade que parece anódina, sem personalidade.

Palavras são importantes. Fundamentais. Ao movimento político responsável pelo Holocausto, nós em português o chamamos Nazismo. Quem fala espanhol faz o mesmo. Em inglês o chamam de Nazi. Em alemão alternam entre Nationalsozialistische e NSDP — sigla para Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. No país onde imperou o regime, não se usa um substantivo próprio mas as palavras diretamente descritivas da ideologia. Quando o alemão ouve Nationalsozialistische, nacional-socialismo, ele não pensa em marxismo ou esquerda. Este conceito o remete à Volksgemeinshachaft — a comunidade do homem comum, do alemão puro padrão, para um tempo antes de pessoas que não eram alemães de verdade aparecerem.

Outro pensador fundamental para compreender a origem ideológica de Hitler é o jurista Carl Schmitt. Ainda jovem, entre 1922 e 32, escreveu quatro livros de crítica arguta ao liberalismo. Para Schmitt, as ideias do Iluminismo partiam do suposto que o homem é capaz de um nível civilizatório impossível. Em sua leitura, política não era a arte da busca de acordo entre pessoas com opiniões distintas, mas o embate natural do homem com seu inimigo — olhar para o outro como o inimigo a ser derrotado pertenceria à natureza da espécie. Algo intrínseco, biológico. Nos anos seguintes à Guerra, acreditou que a disposição do homem a morrer por uma causa não racional mostrava como os princípios de racionalismo em que se baseiam as teorias de direitos que ancoram as democracias não tinham sustento. Schmitt defendia que a âncora moral deve ser imposta por algo transcendental — como Deus, representado por uma autoridade forte. Sem uma autoridade forte, ele acreditava, não poderia haver o império da lei. E ao olhar pela janela para a fraca República de Weimar, considerava estar perante a prova de sua crença.

O movimento Fascista liderado por Benito Mussolini, na Itália, caminhava numa direção similar. Formado comunista, Mussolini havia rompido com seus pares na explosão da Guerra. Os socialistas acreditavam que a população pobre da Europa deveria se unir perante o conflito que só interessava aos patrões. O futuro premiê italiano, porém, não abraçou o internacionalismo socialista e manteve-se um firme nacionalista. Nos anos seguintes, imaginou uma alternativa ao comunismo de Karl Marx. Ao invés do fim da luta de classes que levaria à Ditadura do Proletariado, Mussolini imaginou um governo forte que orientaria todas as classes sobre como agir — industriais, pequenos burgueses, proletários, todos trabalhariam juntos, cada qual em sua função, pelos objetivos comuns da Nação tais quais orientados pelo Estado, pelo governo. Para garantir a uniformidade das diretrizes, ideias liberais como a divisão de três poderes ou diversidade de partidos políticos não seriam possíveis. O Estado precisava falar com uma só voz, através de um só líder. Estado e partido passavam a ser uma só coisa, uma estrutura que coordenaria todas as entidades patronais e todos os sindicatos. E sua credibilidade nascia da Nação, do ser italiano, um conceito que Mussolini insuflava baseando-se nos símbolos de um passado heroico que enxergava na Roma imperial.

Na Alemanha, para remeter à ideia da comunidade do homem comum, os nazistas escolheram usar o termo Sozialistische. Naquele ambiente no qual imperava a dúvida sobre a eficácia da liberal-democracia, os dois extremos cresciam em todo o continente. Buscava-se uma alternativa à democracia, que não mais convencia. Que, a todos, inspirava a ideia de um regime corrupto e confuso. À esquerda, o modelo comunista proposto por Lênin na Rússia, que propunha um país sem classes sociais, no qual todos seriam iguais, era extremamente tentador. O nome disto era socialismo — e socialismo, principalmente entre operários, era um termo de grande apelo. Houve um componente de marketing na escolha da palavra Sozialistische, e nela o nacional de Nationalsozialistische não vêm à toa. O conceito comunista era, por natureza, internacional. Ao enxergar a sociedade dividida em classes, não em culturas, os comunistas imaginavam um levante internacional dos trabalhadores que compreendiam explorados pelos patrões. Os países, as nações, não eram relevantes. Relevantes eram a maioria de operários que, se levantassem juntos, simultaneamente, inviabilizariam a produção do capitalismo e teriam número para formar um novo poder global. O que os nazistas propunham era diferente. Um ‘socialismo’ nacionalista. Alemão. E este não era um ‘socialismo’ ancorado na ideia de classes, mas numa outra — a étnica e cultural. Não a sociedade alemã que perdera seu caráter, mas um retorno à comunidade de alemães.

Eles, assim, radicalizavam a ideia do Fascismo. Não ancoravam sua ideia de ditadura nos símbolos de um passado glorioso que, comparado ao romano, os alemães sequer tinham. A âncora que unia o povo tampouco eram as classes sociais divisivas dos comunistas. O que unia alemães era uma etnia e cultura comuns — Volksgemeinshachaft. E este, fazia já décadas, não era um debate de identidade alheio ao povo alemão. Apenas calhou de, em meio à crise da República de Weimar, em meio à quebra econômica, tudo se juntar e um espaço novo se consolidar no imaginário.

O Fascismo se opunha ao Comunismo e se ancorava no Nacionalismo. Mas Mussolini, um homem muito mais culto e intelectualmente sofisticado do que Hitler, reconhecia uma sociedade dividida entre classes. Ao invés de reforçar o conflito entre elas, chegou à conclusão de que a intervenção do Estado poderia eliminar o conflito entre patrões e empregados, submetendo todos aos interesses da Nação. Não havia um ideal étnico italiano. Mas existiu um ideal étnico alemão.

Se a diferença entre esquerda e direita é que a primeira procura uniformizar a sociedade e, a segunda, considera que diferenças são naturais, não há como ver o Nacional Socialismo alemão como de esquerda. Ele se ancorava na convicção de que os alemães eram diferentes, e superiores, a todos os outros humanos. Não há um nazismo brotando com força em qualquer lugar do mundo. Mas há uma crise econômica de raiz, de mudança da base de produção do dinheiro. E, nestes momentos, a liberal-democracia sempre abre espaço para tentações autoritárias.

Volksgemeinshachaft: É impossível compreender o que era nacional socialismo para os nazistas sem compreender o dilema entre Gemeinschaft e Gesellschaft. Neste paper (PDF), o historiador e professor de ciência política Michael Wildt, do Instituto de Pesquisa Social de Hamburgo, explora com profundidade a briga de palavras e a construção dos conceitos.

Parte da confusão nasce doutro uso de palavras. Nós chamamos Nazistas, os alemães sempre chamaram nacional-socialistas, sem contração, sem criar um nome próprio. Historiador da Universidade de Memphis, Andrei Znamenski reflete sobre o quanto os termos ‘nazi’ e ‘nazismo’ não aumentam o mito e dificultam a compreensão de como pensavam política Hitler e os seus. PDF.

ESSA SEMANA NOSSOS LEITORES ESTIVERAM ESPECIALMENTE INTERESSADOS EM GALERIAS DE ARTE

1. designboom: O Segredo da grande pirâmide. Uma impressionante ilusão de ótica nessa intervenção feita comemorar o trigêsimo aniversário da pirâmide do Louvre.

2. International Center for Photography: A arte do fotojornalismo: Parceiros de Martin Luther King apontam na direção em que o assassino havia fugido. Registro do fotógrafo sul-africano Joseph Louw.

3. Instagram: E inventaram um ovo de páscoa terraplanista. Será que podemos chamar de arte?

4. art.net: Inspirado nos Simpsons, THE KAWS ALBUM, do grafiteiro KAWS foi leiloada por US$ 14,7 milhões na segunda-feira, em Hong Kong.

5. Poder360Meme também é arte, como aprendeu Sergio Moro em sua estréia no Twitter.

Fonte: @Meio

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