Manoel, a musa Clarice, a vergonha que o fazia vomitar e a morte

Manoel e Bosco Martins. Foto: Arquivo/Bosco Martins.

Reportagem publicada no site Campo Grande News em 13 de novembro de 2014.

Por Ângela Kempfer

Sempre que o assunto é Manoel de Barros, o jornalista Bosco Martins é um porto seguro. Conviveu com o poeta e foi um dos últimos a deixar a rotina de visitas à casa da família na rua Piratininga, quando o amigo já não tinha mais condições de falar e apenas parentes e 4 enfermeiros passaram a ser companhia.

Há cerca de cinco meses, quando o “poetinha” não guardava mais a fraqueza diante da morte inevitável, Bosco chegou a chorar para mim em uma mesa de padaria.

Nas conversas de botequim, adorava compartilhar as histórias que muito dizem sobre a personalidade e simplicidade de Manoel no trato do corriqueiro, mas também de algumas paixões literárias. Descobri com Bosco, por exemplo, que Clarice Lispector era uma das musas de Manoel.

Ele e Fernando Sabino escreviam cartas de amor para ela, disputando sua atenção. O poeta se gabava em contar essa história.

Manoel soube mais tarde da conversa que se passou entre Clarice e uma amiga de ambos: “O poetinha do Pantanal escreve bem melhor que o mineirinho”, teria dito a escritora.

Nunca teve coragem de se aproximar, assim como em tantas outras ocasiões diante de pessoas como Manoel Bandeira.

Manoel de Barros chegou a tocar a campainha do apartamento poeta no Rio, mas desistiu e saiu correndo com vergonha ao ouvir os passos do homônimo rumo à porta.

De tão tímido, chegava a vomitar, tamanho desarranjo intestinal que a timidez lhe provocava. Toda vez, forçado a falar, tinha medo aparente.

Por isso, nunca encontrou coragem para se aproximar de quem considerava grande.

O amigo Bosco garante que Manoel não era de fazer tipo, “mas tem quem achasse isso”, comenta. Sua aversão aos microfones é conhecida e real. Em uma única vez que o “obrigaram” a falar, foi em evento no Rio. Meio que empurrado para o microfone, o poeta curto e grosso, em seu primeiro e único discurso: “Tudo que tenho a dizer é que não tenho nada a dizer!

Nem pensou em poesia ao soltar aquilo, mas foi aplaudido empolgadamente. Queria mesmo era se livrar rápido do microfone.

Até na mesa de bar Manoel surpreendia pela aversão ao sofisticado. Bosco lembra que certa noite, em um restaurante especializado em peixe de Campo Grande, o garçom se aproximou e perguntou. “O que vai tomar seu Manoel, um uísque, um vinho, cerveja?”. A resposta veio em verso quase infantil. “Qualquer coisa que me deixe tontinho! Eu só bebo pra ter umas tonturinhas!”.

Quando completou 94 anos, Bosco diz que o poeta entrou literalmente em pane, ficou bastante amargurado. “Só pensando em morrer e teve uma fase na vida, bastante depressiva”.

A conversa deixou de ser pontuada pelas risadas. “Ele disse: Boscão não sei porque a morte não me leva logo. Vou acabar senil (era um grande receio dele)”.

Em parafuso o poeta vivia sua depressão. “Só penso em me matar. Penso demais na morte, morte, morte! A velhice é uma merda! Não consigo mais escrever!”, repetia ao amigo.

Chamaram o médico e o poeta passou a sobreviver com anti-depressivos. “Conseguiu voltar a escrever terminando as suas duas ultimas obras”, comenta Bosco Martins.

O corpo do nossa grande poeta será velado no Parque das Primaveras a partir das 14 horas.

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