O inesquecível Manoel de Barros

Artigo originalmente publicado no Midiamax em 19/08/2013. Publicado também no Correio do Estado.

O eterno Manoel de Barros – um tímido que vive da palavra

Por Bosco Martins*

Manoel de Barros e Bosco Martins

Manoel de Barros vive em estado de sensibilidade pura. Não relê os livros que escreveu. E somente Stella tem o privilégio de ver os originais, antes que o Poeta os mande à editora. Diante da consagração e da condição dos iletrados pós-modernos, sua poesia é nossa mais absoluta demonstração de independência e soberania e de esperança nesses tempos de sociedade digital.

Entre os assuntos recorrentes que aguçam a curiosidade de seus leitores, estão essas perguntas, que arquivei junto com as respostas curtas do Poeta: “Autores preferidos? Rimbaud é meu mestre. Aqui no Brasil, Guimarães Rosa, Padre Vieira. Novos autores? Há dez anos eu só releio. O que é poesia? Poesia é trabalho com palavras. Novo livro? Tento, com pouca força, outro livro de prosa poética. A posteridade? Sinceramente penso. Mas tenho todas as dúvidas. A timidez? Sou tímido. Um gole de vinho me tira a timidez. Fala do Poeta. Sou linguagem”.“ – Às vezes, o poeta ouve a harmonia das palavras – outras vezes, só ouve o “baticum gererê”.

Manoel de Barros vai bem nos seus 96 anos (já conta os 97) e considera “um privilégio” ter chegado a esta altura, sem nunca precisar agradar ou bajular ninguém. Seus livros nunca foram recusados por nenhuma editora. Por conta da idade, Manoel diminuiu a produção. A idade trouxe ainda alguns dissabores, como maior dificuldade e lentidão para continuar escrevendo, agora, segundo ele, já em ritmo “baticum gerere”. O Poeta permanece escrevendo à lápis (ou com uma Bic), usando à sua mão direita, já que à mão esquerda possui alguns dedos “adormecidos”. Mantem sua letra miúda e justifica: “Escrevo à lápis, pois não sei de máquina. E ignoro computador. Cheguei antes”.

Em seu escritório continua a reunir seus tesouros: as fotos do pai João Wenceslau e da mãe Alice. Uma pequena biblioteca com os livros preferidos, dicionários, a escrivaninha, vários pequenos cadernos com anotações, tocos de lápis, etc, onde cria: relendo, escrevendo, ouvindo música clássica ou fazendo sua contemplação em sua lida diária. Em minha visita mais recente desfiz a preocupação de uma outra ida na casa dele, quando não consegui vê-lo por conta de “uma constipação”.

Neste recente reencontro, desfiz de vez a preocupação: o amigo mantém o sorriso espontâneo e vivacidade que salta-lhe de seus pequenos olhos pretos. O sorriso inesquecível do poeta e a cordialidade mineira de Stella continuam a mesma. Pouco mais de duas horas de conversa é perceptível que o poeta ainda vive à fecundar a sua poesia sem perder o dom de lembranças de sua infância com uma memória invejável. Manoel de Barros é um humanista, sem ranço ou traço de pieguice e nunca fez de seu conhecimento e sabedoria, fator de arrogância. Em nada diminui, nem mesmo nesse atual ritmo a sua perspicácia e bom humor. Mantém o hábito de antes do almoço tomar sua dose diária de destilado com única diferença de ter trocado as talagadas da boa pinga mineira por whisky com água de coco, orientação segundo ele de seu médico.

Tem comido pouco. Gosta de ovo, arroz, carne, feijão, acompanhado sempre de fruta. Fazem parte de seu dia a dia, os 7 netos, 5 bisnetos, a filha Martha que mora no Rio, mas esta sempre presente, duas funcionárias que se revezam, a leitura dos jornais do dia, as visitas do irmão Abílio, sobrinhos, e seu gosto em ver novelas e TV. Tem saído raramente de casa e só permitido abrir as portas de sua residência para os familiares. Se emociona muito quando revê algum amigo. Pessoa de uma delicadeza natural, se toca emocionalmente quando admiradores se aproximam. Houve um tempo que atendia todo mundo, mas já não consegue mais. Se impressiona com o carinho das pessoas por ele. Sua poesia e obra cresceram tanto nestes anos que acabou tirando o seu sono.

Por essas e outras é que o poeta esta cada vez mais disponível para família. Sua companheira de todas as horas, a esposa Stella Leite de Barros, não se lembra de crise entre os dois. Já estão casados há 64 anos. Mineira de boa cepa é o contrário dele, mas afinados ao extremo. Ela cuida das coisas da casa e ainda dos negócios da família, com ajuda de Felipe, um de seus netos. É prática e bem pé no chão. O poeta sempre brinca que Stella é uma moça normal, enquanto ele é o avesso.

O poeta continua o mesmo ser meio desligadão que conheci há anos e as vezes de tão concentrado aparta-se do restante das coisas. Sempre foi um pai e avô amigo e apegado à família, sendo um homem extremamente carinhoso. Segundo Stella, que brinca sempre com esse lado do poeta, sua delicadeza é fruto de ter nascido sem arrebentar a bolsa da água, por isso teria nascido protegido, sendo um homem de muita sorte. Stella lembra ainda que o poeta nunca julga as pessoas pelo menos, até que se prove o contrário, pois acredita que todas as pessoas são boas. Sobre a morte um dos temas mais recorrentes em perguntas que lhe são enviadas, Manoel evita responder: não fala quase nada sobre ela. Quando morre alguém, nunca questiona, nunca analisa. Desta forma também lida com as doenças, noticias ruins, etc, nunca reclama de nada.

O poeta detém uma incrível capacidade de ouvir e a mais absoluta facilidade de decidir o que vai ser feito com as palavras. É assim que Manoel de Barros, caminha para suas origens através do encantamento e o prazer de sua prosa poética: Vida Longa, Poeta!!!

PS Luto: Neste mês de agosto, em 13/08/2013 o poeta perdeu seu filho mais velho, Pedro Costa Cruz Leite de Barros, aos 65 anos. Pedro havia cinco anos tentava se recuperar de três AVC. Era pai de Silvestre Nogueira de Barros, filho dele com dona Maria Nogueira.

* Bosco Martins (reporterbosco@gmail.com) é jornalista e amigo do casal Manoel de Barros e Stella.

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