Alibi (ÚLTIMO POEMA)

Façamos deste dia
a nossa última noite
quero sair contigo
como se estivesse saindo
com um pássaro amarelo
e que nossa pousada
fosse o coração do homem
esta noite vamos brincar
de príncipe e princesa
de pierrot e colombina
de mendigo e maltrapilha
de deus e de diabo

Vamos falar de Marx e Cristo
e daremos razão ao povo
vamos levantar voo
numa espaçonave argentina
não americana
e chegaremos ao país
do incognoscível
falaremos de bruxas
de Freud
de Hitler
de Gullar
e cantaremos tão forte
que todos os tímpanos
serão serenos
e todas as madrugadas
terão amapoulas
então roubaremos a lua
e tu vomitando estrelas
com tua carinha
de querubin endemoniada
me falarás de teus segredos
e me abrirás o peito
pra me vender por segundos
teu coração
aí mostrar-te-ei o mar
e descobrirás todos
os mistérios
ouvindo uma concha
e faremos amor
com muita ousadia
discutiremos política
beberemos rebeldia
enxotaremos os ditadores
e comeremos poesia

e deleitaremos com Neruda
e tu serás Matilde
e eu Pablo
e tu serás Dulcinéia
e eu Quixote
E tu serás Clarisse e eu Vlado

E neste momento puro
e simplesmente Kafkaniano
seremos apátridas e loucos
putridos e belos
irreais mas eternos

e depois do sonho terminado
nos morreremos
uma morte tão sem dor
tão mal morrida
que pensarão na realidade
que ainda estamos vivos.

Em tempo: E só não serei Bandeira
E lá não será pasárgada porque não seremos amigo do rei pois não mais existirão REIS.

Outubro de 1979, por Bosco Martins

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