DIANTE DO ESPELHO

Burne Jones, Edward – The Mirror of Venus – 1875

Vês, espelho, este espectro de homem,

Que diante de ti se encontra, e por ora
(refletes?
Já foi feliz outrora.
Mas o tempo,
A vida acabou por deixa-lo assim.

O tempo este impiedoso juiz que condena a
(todos sem tribunal.
Tirou-lhes o sorriso dos lábios
Ensinou-lhe a dor imensa de uma saudade
Deu-lhe um sorriso triste e a frieza no olhar,
E foi com o tempo que ele aprendeu a desconfiar.
O tempo trouxe-lhe muita experiência,
O tempo fê-lo sentir muitas coisas.
Também foi o tempo que o fez perceber:
Na presença, a ausência
Na carne, o pecado
No político, o safado
No presente, o passado
Na dor, o amor
Na semente, a flor…

Bandeira eu nunca tive
Porque vontade de carregar,
Estes falsos mastros,
Que por aí apregoam,
Sempre me faltaram.
Pela estrada da vida desde muito cedo,
Eu me pus a caminhar.
E aprendi menino, sobre espinhos pisar.
Lamentando a sorte que o destino me traçou.

Meus lábios muitas bocas, beijaram
De meus olhos muitas lágrimas, rolaram
Meus braços muitos abraços, abraçaram
Minhas mãos muitas mãos, entrelaçaram
Meu corpo com muitos corpos, pecaram
Meus sonos muitos sonhos, sonharam
Minhas pernas por muitos caminhos, passaram

Mulheres,
Muitas as tive, poucas foram as que realmente amei.
E não me arrependo disto.
Não me arrependo porque ninguém tem culpa de nada.
Não tenho culpa por ter nascido
Nem fulana de tal por ter morrido.
Ninguém tem culpa;
Se foram falsos, os beijos
Se foram fingidas, as lágrimas
Se foi irreal, o corpo
“e foram mentiras, as mãos
Se foram traídos, os abraços
Se foram ilusões, os sonhos
Se foram abismo, os caminhos…
Ninguém tem culpa do nada.
Este ano, os amigos verdadeiros,
Que comigo convivem, me viram sorrir
Com profunda satisfação umas duas vezes,
(apenas.
Sou um realista, e não vejo motivo em ser
(otimista.
Bendito seja Deus por eu não sorrir perante
(as desgraças mundanas.
Deus seja bendito por eu não ser um tolo
(Deísta.
Bendito seja Deus, por eu não acreditar
(tanto impele,
A ponto de deixar tudo “nas mãos de Deus”.
Vão quero ser um eterno bitolado.
Deus seja bendito por eu acreditar mais em (mim
E ter coragem bastante de gritar pelos
(oprimidos,
De socorrer os que precisam realmente serem
(socorridos.
Bendito seja Deus por ter me dado coragem
(bastante,
Para eu poder gritar contra petulância
Desses imbecis mercenários, que me causam
(repugnância.
Bendito seja Deus por eu acreditar tanto
(em mim.
Porque é muito importante acreditar em si
(próprio.
O importante também é acreditar, que
(existem líderes

O importante é não ter medo de acreditar,
(e ojerizar os ditadores.
E preciso fabricar novos Kenneds
É preciso fabricar novos Ghands
É preciso fabricar novos Sócrates
E preciso fabricar novos Joãos XXIII
É preciso fabricar novos Bandeiras
É preciso fabricar a liberdade.
O povo tem fome disto
O importante é acreditar que se tem motivo
(bastante para isto
E mais do que isto, e preciso, não acreditar,
É preciso não acreditar em nada disto.
É preciso acreditar e confiar em si somente.
Porque todo homem que cai uma vez e se levanta,
E luta e vence novamente,
Merece meus respeitos.
Mas aquele que levanta e cai
irão mesmo caminho que o havia derrubado,
Este é um hipócrita, um fraco, um imbele,
Merece o insulto, o desrespeito, o esquecimento.
Não merece o perdão, no novo arrependimento.

Sim, todo homem tem que ser homem
Homem bastante para assumir os seus atas
Homem bastante para não se calar diante dos fatos.
Na masculinidade não deve haver meio termo.
As favas os homossexuais, as favas os
(recalques de infância.
As favas os obscuros do libido, as favas
(com a petulância
Dos homens que cruzam as pernas com elegância.

Todo homem é igual e deve ser igual.
Ninguém é mais que ninguém.
O sangue é vermelho e é
O mesmos que corre nas veias do homem branco
O mesmo que corre nas veias do preto
O mesmo que corre nas veias dos mulatos
O mesmo que corre nas veias do amarelo,
O sangue é um só, assim como o leite é branco e é
O mesmo leite que amamenta o homem preto
O mesmo que amamenta o amarelo
O mesmo que amamenta o mulato
O mesmo que amamenta o branco;
O leite, o sangue, o leito, o homem e um só.
Ninguém é mais que ninguém.

Sim meus versos são simples
Meus versos não tem braços
Nem pernas
Nem olhos
Nem mãos
Nem corpo
Meus versos são apenas, espírito.
E por isso não podem ser aprisionados,
Eles são universais,
Eles foram feitos para serem cantados como
(um hino,
Que alimentará o povo de todos os quintais.
Se um dia porventura netos, eu vier a ter,
Eu não terei histórias para lhes contar
Eu terei apenas poemas para lhes declamar,
Poemas que faço para minha alma alimentar.

Poemas que falam do pobre, do rico, do
(tísico,
Do governo, do povo, do político ou do
(sifilítico.
Sem distinção nenhuma.
Sim, sou eu o poeta dos bêbados
Sou eu o poeta da noite
Sou eu o poeta da natureza
Sou eu o poeta do sol
Sou eu o poeta que canta da rosa, a pureza
Sou eu o poeta das mulheres
Sou eu o poeta das boemias
Sou eu o poeta dos prazeres
Sou eu o poeta dos loucos desvairados
Porque
Sou bêbado quando canto os bêbados
Sou noite quando canto a noite
Sou flores quando canto a natureza
Sou luz quando canto o sol
Sou puro para cantar da rosa, a pureza
Sou romântico para cantar as mulheres
Sou boêmio quando canto a boemia
Sou prazer quando canto meus prazeres
Sou desvairado quando canto a loucura.

Sou poeta…
Venham cantar comigo a meiga cantiga da alegria
Venham beber comigo o doce vinho da poesia
Venham gritar comigo o rouco grito de rebeldia
Venham sonhar comigo os longos sonhos de alforria.

Por tudo isto prefiro ser poeta
Prefiro cantar a lua enamorada dos versos meus
Que fazer a guerra por detrás da mesa do executivo,
Prefiro correr pelos píncaros azuis do horizonte
Do que discutir a forjada crise do petróleo

Prefiro o cantar dos pássaros, beber água pura (na fonte,
Que descobrir a fórmula de dez mil megatões
Prefiro ser poeta e ter minhas paixões.

Quando eu morrer me enterrem
Nas verdes colinas da minha infância Que meus poemas perpetuem na memória
De quem realmente me amou, ou odiou.
E escrevam uma epígrafe:
“Finalmente a paz o encontrou.”

Janeiro de 1976, do livro ‘‘POETA MODERNO”, por Bosco Martins

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