Sob o sol escaldante de Nioaque, ato é marcado por churrasco e mandioca

Em Nioaque (MS), o feriado de Proclamação da República desta 3ª feira (15.nov.2022) também foi marcado por protestos contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com os bolsonaristas nas ruas desde 30 de outubro. Os turistas que visitaram Bonito e passaram pelo “Vale dos Dinossauros” tiveram um atrativo a mais. Na rua Calógeras 272, localização do QG do 9º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC – “Grupo Major Cantuária”) estava com o entorno tomado por cerca de cem manifestantes. Além da predominância do verde e amarelo, em bandeiras, roupas, veículos, uma faixa colocada em frente ao quartel em que o presidente Jair Bolsonaro serviu por três anos trazia os seguintes dizeres: “Resistência Civil, Nioaque /MS”. Sob um sol escaldante de mais de 30 graus, a manifestação destoava das ocorridas em outras regiões do País, pois ao contrário de protestos, de gritos e do hino nacional sendo tocado no último volume e a exaustão o que se viu eram mulheres, crianças e idosos sentados embaixo de um frondoso pé de Ipê comendo ou numa fila pacificamente em busca de um saboroso “churrasco à moda pantaneira, com sal de boiadeiro, mandioca e limão rosa”, conforme o churrasqueiro. A história do presidente Jair Bolsonaro com o Estado e especialmente com Nioaque é antiga. Ele viveu por três anos na cidade distante 184 km da capital Campo Grande.

Logo após sua posse em 2019 visitou o município e foi homenageado no batalhão que serviu. Nioaque foi a primeira cidade que Bolsonaro viveu fora do Rio de Janeiro, onde se formou na Academia Militar das Agulhas Negras, em 1977. Um ano depois, ainda como tenente, integrou o 21º Grupo de Artilharia de Campanha no RJ em 1978, e em seguida, foi transferido para o 9º Grupo de Artilharia de Campanha de Nioaque, onde serviu de 1979 a 1981.

Era treinador do time de futebol formado pelos militares e voltou a visitar o município em 2017, mais de três décadas depois, para participar de uma cerimônia que encenou a “Retirada da Laguna”, um episódio da Guerra do Paraguai. “Eu me considero filho de Nioaque, já que passei por três anos na cidade. Meu primeiro filho nasceu enquanto eu servia aqui. Nioaque para mim é um local muito mais que especial, está no meu coração. Nioaque vai ser a capital do Brasil, pode ter certeza disso”, disse o presidente em entrevista na ocasião.
Muitos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado por Lula (PT) nas eleições, acabaram virando piada e memes nas redes sociais devido a atos e falas confusas nos atos e manifestações golpistas que bloqueiam rodovias em diferentes cidades do país. Mas em Nioaque, até pela simplicidade, o perfil dos manifestantes é mais afeito “a cidadania”, segundo uma das organizadoras que não quis se identificar. Para ela: ” todos nós nioaquenses abrigamos o espírito cívico e de uma forma ou outra, estamos envolvidos com a manifestação, cantando os hinos (hino nacional e hino do município) da melhor forma possível, temos vivenciado o verdadeiro sentido de Verás que um filho teu não foge a luta..” cantou. O marido que também não se identificou mostrava ser um dos organizadores; emendou a fala da esposa tentando amenizar o sentido golpista e antidemocrático da manifestação: ” Fomos derrotados pelo Lula, mas a vontade de Deus é maior do que tudo e sempre haverá de prevalecer. Perdemos a eleição mas com ela a melhor lição que poderíamos receber. Quando tudo parece ter dado errado e que o melhor seria encerrar. Naquele momento, aprendemos que patriotismo e a cidadania não é apenas desfile ou uma eleição apenas, é estar todos alinhados, com roupas iguais, cartazes falando do amor ao nosso país. Aprendemos que cidadania é o que aconteceu nessa derrota que foi a nossa solidariedade! Neste momento todos temos um só pensamento: o de ajudar uns aos outros e não deixar que nada de ruim atrapalhe o nosso patriotismo,” finalizou. Outro empresário do agronegócio reformou e pintou nas cores verde e amarela, seu velho caminhão Ford que estava exposto na frente do QG. Embora encostado e sem funcionar era o único caminhão a reforçar a manifestação: ” Só esclarecendo que o direito a protestar está na constituição e que essas pessoas que aqui estão, é para pedir respeito ao Estado democrático de direito que se traduz na liberdade de emitir opiniões, e abaixo ao controle autoritário do Supremo que invade a competência dos outros poderes, prendendo e calando quem simplesmente não concorde com o sistema, que persegue pessoas e empresas, suprimindo direitos dos cidadãos. Acordem para o que está acontecendo, pois vai muito além de Lula ou Bolsonaro, ou vocês acham normal uma pessoa ser presa por ofício através do STF sem seguir o devido direito legal nas instâncias corretas? Pensem nisso, pois amanhã poderá ser você,” aconselhou ele, sem apontar qualquer fato que reforçasse o seu raciocínio.

Os atos de caráter golpista ocorrem desde a confirmação da derrota nas urnas de Jair Bolsonaro (PL), mas considerar o de Nioaque desta maneira soa risível; o ato estava mais para uma festa típica da fazenda entre proprietários e seus funcionários.
De outro lado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, não pensa assim e determinou que a Polícia Rodoviária Federal e as secretarias de segurança pública e polícias militares dos estados adotem as medidas necessárias para identificar envolvidos, lideranças, proprietários de veículos ou caminhões e possíveis financiadores desses atos.
Em Nioaque, um empresário famoso pelo apoio ao então candidato a presidente por escrever nos campos de milho a frase “Bolsonaro 2018” negou qualquer vínculo com o movimento.

Eleições em Nioaque

A disputa das eleições presidenciais de 2022 de segundo turno em Nioaque também é motivo de discussão entre os participantes do ato; não admitem a votação baixa (mesmo ganhando de Lula) do para eles “presidente nioaquense” Jair Bolsonaro. A diferença de apenas 495 votos de Bolsonaro para o ex-presidente Lula, considerando somente os votos válidos por 53,23% (4.073) votos dos 100,00% das urnas apuradas, contra 46,77% (3.578) de Lula, deixaram os organizadores indignados com a pequena diferença. “Foi (sic) de apenas 495 votos,” culpa segundo eles “dos quase 30% dos nioaquenses que ou votaram em branco, abstiveram ou anularam seus votos,” rejeitando os dois candidatos. Um professor e eleitor do PT que não quis se identificar disparou contra o ato em tom de brincadeira: “Eles estão chorando é a insuficiência de votos do Bolsonaro para ganhar as eleições e o choro é livre! A bugrada comemora feliz.”

Fotos: Pedro Ernesto
Texto: Bosco Martins

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