Antiacadêmico, Manoel de Barros dizia que boa literatura tem formação humanística

Bosco Martins homenageia Manoel de Barros durante a abertura da 1ª Feira Literária Internacional de Bonito. Foto: João Carlos Velasquez.

Bonito (MS) – “Manoel de Barros dizia que para escrever bem tinha que ter formação humanística e uma boa vivência. Tem que ter conhecimento do mundo e se ilude quem acredita que a poesia ou a literatura possa ser elemento de transformação do mundo”. A informação foi dada na abertura da 1ª Feira Literária Internacional de Bonito (8 de julho de 2015), pelo jornalista Bosco Martins, uma das poucas pessoas do círculo de amigos da família do poeta.

Representando o governador Reinaldo Azambuja, Bosco Martins falou sobre o poeta com quem cultivou uma amizade de 30 anos, reforçando que Manoel de Barros era de uma simplicidade singular e apesar de sua importância no mundo literário sempre foi avesso ao padrão da intelectualidade acadêmica brasileira.

De acordo com Martins, escrever para ele necessariamente não era preciso estar frequentando uma academia. “A literatura é movida pela sensibilidade e formação humanística apurada. A academia pode dar base mais teórica, à prática, mas  não a vivência maior, o conhecimento do mundo.

Martins disse que o poeta era muito “revelador e sincero ao afirmar que só 10% do que escrevia eram mentiras e o resto, ou seja, 90%, pura invenção. Ele sinalizava que apesar de seus personagens serem de carne e osso e ter vivenciado o que escreveu, a frase revela o tanto do seu espírito brincalhão e criança. Manoel gostava mesmo é de brincar com a palavra e a vida, sem nunca perder a ternura. Manoel era afável. Gostava de rememorar a infância e suas andanças pelo mundo. Morou na Europa, percorreu a América Latina e dessa vivência buscou a inspiração para sua poesia”, contou Bosco Martins ao atento público da Feira Literária de Bonito.

Bosco lembrou da extrema timidez do poeta, que tinha pavor de microfone, era avesso a entrevistas. “Pura timidez, não era nenhuma mania ou estrelismo, daí o seu perfil reservado, retraído”.

Um ano antes de sua morte, em um dos últimos bate-papos com Manoel de Barros, o poeta revelou algumas passagens de sua juventude, ainda solteiro, no Rio de Janeiro. Conheceu Vinícius de Morais, arriscou uma aproximação com Manuel Bandeira, conheceu Clarice Lispector e até flertou com Leila Diniz. Ele disse que chegou a paquerar a musa do Brasil e primeira mulher a fazer topless na praia de Ipanema, num brado de liberdade à época. “Na hora H falhei. Depois ela nunca mais quis saber de mim”, confidenciou Manoel de Barros.

Considerando as porções de ficção e de veracidade, a história pode não ter sido verossímil, mas o fato divertia o poeta que adorava relembrar esses casos.

Para o poeta, praticar o ócio era uma forma de exercitar a criatividade. “Lembro uma vez que o Gilberto Gil, ainda Ministro da Cultura, veio conhece-lo e repetia um único verso de Manoel que aparentemente havia decorado às pressas no avião, procurando demonstrar intimidade com a obra do poeta. Manoel percebeu que o Gil tinha pouco conhecimento de sua obra e tascou-lhe essa sua premissa: O ministro deveria praticar mais o ócio”.

“Outras tiradas dele fora da poesia também podem ser frutos de sua imaginação ou terem mesmo acontecido. Isso nunca vamos saber porque ele nunca as desmentiu. Era um jogo, uma verdadeira divertilândia essas histórias”.

Em sua ultima visita, um ano antes dele morrer, quando só eram permitidas visitas de parentes, Martins diz que encontrou o poeta como o conheceu: “ostentando uma lucidez desconcertante e uma absoluta intimidade com a essência da poesia”, mas resignado pela debilidade da idade, que o mantinha fora da lida literária. Outra revelação foi de que o poeta sempre tratou o jornalista pelo nome, mas vez ou outra o chamava por um apelido que havia lhe dado: Bardo.

O motivo desse apelido é que o jornalista gosta de declamar e o Manoel tinha ciência das mais de 60 poesias de autores entre Manoel Bandeira, Drummond e Vinícius decoradas por ele, mas nunca sabia de cor poesias do amigo poeta, necessitando sempre fazer a leitura: “Minha poesia não ajuda arrumar namorada, deve ser por isso o Bardo só declama outros autores”, divertia-se ele em tom de cobrança e brincadeira.

Bosco Martins recordou ainda na Feira Literária de Bonito que no dia 19 de novembro Manoel de Barros faria 99 anos e, embora sua obra continue sendo mais reconhecida fora do que dentro do Estado, “nunca é tarde para prestar justa homenagem ao poeta”.

No final Martins informou que ao telefone, antes de dirigir-se a Bonito, conversou com Marta Barros, filha do poeta. Ela demonstrou que estava muito feliz com a homenagem ao pai e pediu que enviasse um abraço especial ao ator Jonas Bloch. Ele representou o poeta em uma belíssima interpretação em espetáculo que lotou a Praça da Liberdade denominado o “Delírio do Verbo”, sobre a obra de Manoel de Barros.

Na abertura Jonas Bloch deu o tom de toda a Feira, encenando em carne e osso e poesia, no vigor de seus 50 anos de carreira e experiência, que vai do teatro ao cinema, dando uma aula de interpretação em sua homenagem ao poeta sul-mato-grossense.

Fonte: Portal da Educativa

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