Poético

O Sobrevivente

O Sobrevivente

Poético
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade. Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia. O último trovador morreu em 1914. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. Os homens não melhoram e matam-se como percevejos. Os percevejos heróicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio. (Descon
Poema de Sete Faces

Poema de Sete Faces

Poético
Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode. Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa
Manoel por Manoel

Manoel por Manoel

Manoel de Barros, Poético
Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido igual a um filhote de gafanhoto. Cresci brincando no chão entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore.
Andorinha

Andorinha

Poético
Andorinha lá fora está dizendo: -Passei o dia à toa, à toa. Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! -Passei a vida à toa, à toa. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 7, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Astor Piazzolla, Vinicius de Moraes, Manoel de Barros e Antônio Maria. Nesta pílula, Bosco Martins recita "Andorinha", de Manuel Bandeira: ? Ficha técnica: Apresentação: Fernanda Guedes. Declamação: Bosc
Velha Chácara

Velha Chácara

Poético
A casa era por aqui... Onde? Procuro-a e não acho. Ouço uma voz que esqueci: É a voz deste mesmo riacho. Ah quanto tempo passou! (Foram mais de cinquenta anos.) Tantos que a morte levou! (E a vida... nos desenganos...) A usura fez tábua rasa Da velha chácara triste: Não existe mais a casa... - Mas o menino ainda existe. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", com pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 6, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Astor Piazzolla, Vinic
Estrela da Manhã

Estrela da Manhã

Poético
Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda a parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão si
Desencanto

Desencanto

Poético
Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 4, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autori
Epígrafe

Epígrafe

Poético
Sou bem-nascido. Menino, Fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino E fez de mim o que quis. Veio o mau gênio da vida, Rompeu em meu coração. Levou tudo de vencida, Rugiu como um furação. Turbou, partiu, abateu, Queimou sem razão nem dó – Ah, que dor! Magoado e só, -Só! – meu coração ardeu: Ardeu em gritos dementes Na sua paixão sombria… E dessas horas ardentes Ficou esta cinza fria. -Esta pouca cinza fria. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, que divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 3, onde o poeta e jornalista Bosco Martins
Porquinho-da-índia

Porquinho-da-índia

Poético
Quando eu tinha seis anos Ganhei um porquinho-da-índia. Que dor de coração me dava Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão! Levava ele pra sala Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos Ele não gostava: Queria era estar debaixo do fogão. Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . . — O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada. Por Manuel Bandeira Assista também ao programa "Prosa e Segredos, Ontem, Hoje e Sempre, com Bosco Martins", pós-produção/texto e edição de Allison Ishy e pós-produção/edição de vinhetas e pílulas de Roque Martins, divulga o Documento Regional – Raridades com o programa Poesia Total I e II, pílula 2, onde o poeta e jornalista Bosco Martins declama poemas de sua autoria e de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Poético
Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe - d’água. Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vont