20 Jul 2019

Um fenômeno curioso

Um fenômeno curioso está acontecendo no mercado de global de juros. Mais de US$ 13 bilhões estão investidos em títulos que pagam juros negativos. É a aposta de inúmeros investidores. A demanda é tão grande que 9 países Europeus e 14 empresas, também europeias, com rating BB ou pior, oferecem títulos que garantem, incrivelmente, juros negativos.

Parte do problema é causado pela Alemanha. Este mês o país vendeu € 3,2 bilhões em títulos com juros negativos, e havia interesse por uma emissão maior. Enquanto o mundo se endivida cada vez mais, a política de austeridade da Alemanha fez com que o endividamento do país caísse de cerca de 80% do PIB, em 2012, para 60% hoje, reduzindo a emissão de títulos da dívida. Quem busca juros positivos está tendo até mesmo de voltar a comprar títulos gregos. Ora.

Já os títulos de empresas não são emitidos originalmente oferecendo um retorno abaixo do investido, mas como são negociados em mercado, quando a demanda sobe se paga mais caro do que o valor de face, fazendo com que ele fique com margem negativa. Esse fenômeno está acontecendo porque as empresas estão com muito dinheiro em caixa e precisam decidir o que fazer com ele. A taxa de compulsória do Euro é de -0,4% ao ano, portanto é mais barato para uma empresa comprar um título que vai retornar -0.2% do que deixar o dinheiro depositado no banco. No fundo, é sinal do mercado de que a confiança no futuro da economia é pessimista e os bancos centrais vão ser obrigados a manter as taxas básicas de juros baixas. Mas é uma aposta de risco, e como nesse mercado ninguém compra um título para esperar seu vencimento, se a economia crescer e os BCs tiverem de aumentar os juros, os últimos a saír correm o risco de ficar com o mico na mão.

Hoje fazem exatos 50 anos que Neal Armstrong pisou na Lua. O New York Times publicou um especial que junta a transcrição do áudio dos astronautas com as fotos capturadas durante toda a missão da Apolo 11. Pra curtir deslizando o dedo.

Semanas antes de o homem pisar na Lua, outro evento estelar havia abalado o mundo: o single Space Oddity (Spotify), de David Bowie. Os versos que contam a história de um astronauta condenado ao espaço, o impulsionaram ao status de ícone. Cinco décadas depois, ainda é uma de suas músicas mais populares. Há quem diga que a letra também faz referência a uma viagem com drogas.

Em entrevista concedida para a revista Performing Songwriter, em 2003, o músico confessou que a sua criação foi inspirada na adaptação para os cinemas de 2001 (trailer), livro de Arthur C. Clarke (Amazon). “Na Inglaterra, presumiram que eu havia escrito sobre o pouso no espaço porque aconteceu na mesma época. Mas não foi. A música foi escrita por causa do filme, que achei incrível”.

A faixa também foi inspirada, em parte, pela experiência mais universal de todas: o coração partido. Bowie escreveu a música depois de terminar seu relacionamento com a atriz Hermione Farthingale. A pausa inspirou várias outras, incluindo Letter to Hermione e Life on Mars. Em Space Oddity, a solidão e a melancolia pós-termino são especialmente aparentes.

Sobre a letra. Major Tom é o astronauta, o personagem criado por Bowie, e começa com o preparo para a decolagem. Em seguida vem as instruções da base: “Tome suas pílulas e coloque seu capacete”. E  então começa a contagem regressiva rumo ao espaço.

A parte seguinte narra a operação após a tensão inicial. O envio do astronauta foi bem sucedido e a dúvida, agora, é sobre como retornar à Terra e lidar com aqueles que ficaram. Bowie é irônico e provoca: “você chegou lá e os jornais querem saber que camisetas você usa”.

E Major Tom, então, vê o mundo do alto, observa que a Terra é azul, lembra da mulher, e pede que a base lhe transmita um recado. No entanto, surge um problema com a operação. A frase permanece incompleta, dando a impressão de que a comunicação se perdeu definitivamente. “Pode me ouvir, Major Tom?”.

David Bowie criou mais duas músicas com Major Tom: Ashes to Ashes (Spotify) e Hallo Spaceboy (Spotify). Diversas outras canções, de outros artistas, fazem alusão ao personagem. Caso de Rocketman (Spotify), de Elton John e Bernie Taupin.

Lançada em 11 de julho de 1969 — apenas cinco dias antes de a NASA lançar a Apollo 11, Space Oddity não soava, exatamente, como um bom material promocional para a missão. Termina em tom sombrio, com o major Tom flutuando pelo espaço. Mas o timing e o assunto, em geral, eram perfeitos demais para a BBC resistir. A rede reproduziu a trilha em cenas do pouso na Lua. Bowie comentou depois: “Obviamente, um funcionário da BBC disse: ‘Ah, então, aquela música espacial, Major Tom, blá, blá, isso vai ser ótimo.’ Hum, mas ele fica preso no espaço. Ninguém teve coragem de lembrar isso ao produtor.”

Em 2013, o astronauta canadense Chris Hadfield se despediu da Estação Espacial Internacional tocando Space Oddity. Hadfield divulgou o vídeo pela internet. Após a despedida, o comando da operação foi passado para o russo Pavel Vinogradov.

Em 2018, Elon Musk usou o foguete Falcon Heavy da SpaceX para lançar seu Tesla Roadster no espaço. Segundo Musk, Space Oddityestava tocando no sistema de rádio do carro durante a viagem histórica. O nome do boneco, Starman, é o nome de outra música com tema espacial na obra-prima de Bowie.

E o único álbum possível para celebrar os 50 anos da chegada à lua nesse sábado: The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars. Que venha Marte.

Para quem gosta de esportes uma boa opção pode ser acompanhar a etapa de hoje do Tour de France. Depois de mais de 10 dias de prova e de uma disputada etapa contra-relógio ontem, o pelotão hoje sobe o Tourmalet, a maior subida das montanhas dos Pirineus franceses. É considerada uma etapa lendária da prova que muitas vezes foi decisiva para a vitória na volta. Este ano, sem o sempre favorito Froome, que se acidentou umas semanas antes, a disputa está aberta. O Francês Julian Alaphilippe está liderando a prova e venceu o contra-relógio ontem. A prova de hoje pode ser decisiva para ele abrir vantagem e ampliar a liderança, mas pode também marcar uma grande virada na entrada para a terceira e decisiva semana do tour.

A prova começa 8:45 e deve começar a ser transmitida pela ESPN a partir de 9:30. O site oficial do Tour é uma ótima opção para acompanhar toda a volta. E para quem gosta do esporte, temos cá no Monitor uma lista de ciclismo, com alguns dos principais sites que acompanham todo o circuito.

Alegria, tristeza, tradição, mudança, beleza e perda. Uma galeria de imagens no Curdistão iraquiano.

JOAQUIM E OSWALDO

Joaquim Nabuco foi, em vida, um derrotado. Alto, tinha 1m86, magro, já desde o tempo do Império usava os vastos bigodes que virariam moda só mesmo na República. Daquele tipo de não-conservador que, mesmo já velho, pensava ideias que se identificavam mais com o futuro do Brasil do que com seu passado. Olhava à frente. É como se estivesse sempre querendo inventar qual seria o futuro do país. Sujeito muito elegante. Como havia passado uns bons anos da juventude em Londres, como dândi, havia aprendido ali, frequentando os melhores alfaiates, a se vestir. Veio a ser político porque o pai havia sido, porque o avô também, assim como o tio-avô. A nobreza impõe. Mas o filho e neto de homens que foram governadores, ministros e senadores, naquela juventude londrina de dândi, havia se tornado também outra coisa. Abolicionista. Um democrata, um liberal à inglesa, e por isso mesmo abolicionista. Na escravidão ele via a raiz dos principais problemas do Brasil e, acreditava, era obrigação do Parlamento eliminar aquele mal. Do Parlamento, constitucionalmente, por uma construção política. Demorou duas décadas de discursos, de artigos, de articulação. Precisou esperar o tempo alcançá-lo. A causa fez dele um político de certa forma menor, dentre a família. Não chegou a governador, a ministro ou a senador. E, mesmo como deputado, perdeu mais de uma eleição tendo de passar intervalos de mandato fora da Câmara, porque o que defendia com tanto ardor era radical demais. Era um radical, um desconstrutor. Mas, quando enfim conseguiu e a escravatura acabou, logo depois viu sua Monarquia cair. Venceu para perder no último momento. Ali, parecia a ele e a qualquer um à volta, sua vida pública acabara.

Mal poderia desconfiar que, ainda na velhice, teria de voltar a um cargo público para se tornar o definidor da aproximação de Brasil e Estados Unidos. O principal líder abolicionista inventaria também a diplomacia brasileira do século 20.

Os anos longe da política foram difíceis porque, sem trabalho fixo, o dinheiro ficou curto. Foram também muito criativos — escreveu prolificamente, publicando inclusive seus dois livros de maior impacto no tempo. Suas memórias, Minha Formação (Amazon), e a biografia do pai, Um Estadista do Império (Amazon). Jamais saíram de circulação. Com o amigo Machado de Assis, fundou a Academia Brasileira de Letras.

Em 1899 o Brasil tinha um problema sério e Campos Sales, o presidente recém-eleito, era leitor e admirador de Nabuco. Ele e Olinto de Magalhães, o chanceler, precisavam de alguém na Europa para negociar a crise das Guianas. O país ainda não tinha suas fronteiras consolidadas e aquelas do Norte, da vasta região amazônica, eram uma disputa sem fim. Entre a região onde hoje estão Roraima e a República da Guiana, os ingleses queriam um naco do território que diziam ser seu, o que os brasileiros contestavam. Mas não havia colonização — era uma terra fundamentalmente indígena, por onde andavam vez por outra catequizadores protestantes britânicos. O que Campos Sales precisava era de um homem que fosse culto, que soubesse transitar nos melhores ambientes europeus, que falasse inglês muito bem e conhecesse a Inglaterra e que, bom negociador, fosse capaz de construir um argumento imbatível para o Brasil. Não havia ninguém melhor do que aquele velho deputado monarquista tornado escritor.

Nabuco perdeu. Era um homem acostumado a derrotas, claro. Derrotas eleitorais, derrotas políticas. Nunca deixaram de ter um gosto amargo. Aquela, porém, foi uma derrota que o alarmou. A ele e a, no Rio, o novo chanceler brasileiro, o Barão do Rio Branco.

Por quase cinco anos, entre 1899 e 1904, Nabuco viveu em Londres — sempre elegante, sempre na moda do tempo, o terno em tweed, um colete de cor. Primeiro como designado especial para a questão das Guianas, depois embaixador. Construiu um documento denso, recontando em detalhes toda a história do Império Português e depois do Brasil independente naquela região. Mostrando como era recente, e portanto frágil, a presença inglesa por ali. O árbitro internacional acordado, o jovem rei italiano Vitório Emanuel III, ignorou por completo que foram brasileiros os primeiros a descobrir o lugar e que já havia uma longa história do país por ali. Para o rei, o critério era ocupação, e como nenhuma das nações ocupara o lugar, decidiu dividi-lo. 19 mil km2 para os ingleses, 13 mil km2 para os brasileiros.

Àquela altura, o presidente já era Rodrigues Alves. Mas a política externa era de Estado e, nela, ninguém mexia. Alves havia sido colega menino de Nabuco no Colégio Pedro II, onde os dois disputavam quem era primeiro da turma. Se gostavam, ambos.

Tanto Nabuco quanto Rio Branco entendiam que aquela arbitragem era muito mais grave do que a perda do pedaço pequeno de território em si. Porque ali estava sendo aberto um precedente. A decisão europeia de adotar como critério para demarcação de fronteiras a ocupação do espaço, no caso da Guiana Britânica, se virasse precedente, punha em risco todo o Norte brasileiro. Só que o Brasil, os dois sabiam pragmaticamente, era um país fraco perante a Inglaterra, perante os impérios do Velho Continente. A saída tinha de ser uma reinvenção. E aos poucos, por argumentos distintos, os dois, chanceler e embaixador, foram chegando à mesma conclusão. O Brasil tinha de dar as costas para a Europa e abraçar o pan-americanismo.

Rio Branco era um sujeito corpulento, igualmente alto, que substituíra o apetite sexual da juventude pelo dos pratos. Gostava duma feijoada. Embora barão, havia sido preterido como diplomata pelo imperador, que desconfiava de um homem conhecido pelo número de namoradas. A República mudou isso — e, a ela, Juca Paranhos era leal. Dirigia, ele próprio, um dos únicos automóveis do Rio de Janeiro. Carros eram raros e, aqueles que os tinham, mantinham motoristas. O Barão era gente doutro tipo. De longe qualquer carioca sabia que era ele chegando pela buzina. Um pragmático. Precisava de um novo aliado forte, e os Estados Unidos tinham de ser a escolha evidente. Ali, naquele país que enricava a olhos vistos, o Brasil tinha só uma chancelaria. Isto precisava mudar, precisava mudar radicalmente, e só havia um jeito de fazer esta transformação. Joaquim Nabuco. Ele era o homem certo para implantar a embaixada — e já chegar em Washington causando impacto.

Nabuco, já cansado, já meio surdo, concordava. Se para o barão, que só os muito amigos chamavam de Juca, era simplesmente uma questão de evidente pragmatismo, para Nabuco se tratava de filosofia. Naqueles meses após a derrota europeia, teve muito tempo para refletir e voltou à doutrina que os americanos haviam defendido uns oitenta anos antes. A Doutrina Monroe, estabelecida em 1823 pelo presidente James Monroe e concebida pelo futuro presidente, filho de presidente, John Quincy Adams, propunha uma América para os americanos. Aos olhos da Casa Branca aquilo queria dizer que o jovem país reivindicava todo o território ao Sul como sua área de influência e que os europeus não deviam se meter. Mas Nabuco viu ali a possibilidade de algo diferente. A doutrina poderia ser lida também não como uma política imperialista, mas um acordo de mútua cooperação. A semente de uma política pan-americana. Os EUA eram o país mais forte, isto já estava claro. Mas não precisavam ser dominantes.

Chegou em Washington, em 1905, para implantar a embaixada já chamando atenção. A maioria das nações não mandavam para lá seus melhores diplomatas. O domínio americano, que começou a ser implantado após a Primeira Guerra, ainda não era assim tão claro. Tratava-se de uma potência regional. Mas o Brasil estava transferindo seu embaixador de Londres, esta sim a mais importante embaixada, para Washington. Aquele homem tão brilhante, tão bem-vestido, tão bem-educado, cortês, um diplomata à europeia, não era alguém que aquela capital ainda quase caipira estava habituada. E a missão do brasileiro era seduzir. Não faltava a uma recepção na Casa Branca. O presidente Theodore Roosevelt, ele próprio um homem culto, tomou gosto pelas conversas. Muitos no Departamento de Estado, assim como nas outras embaixadas, idem. E ser um diplomata querido e benquisto por gente de todos os grupos, de todas as áreas, faz grande diferença.

Por um lado, a diplomacia brasileira começou a dar grandes festas, disputadas na capital. De certa feita, Nabuco mandou chamar um cozinheiro cordon bleu europeu para um grande jantar. Era, segundo a imprensa brasileira, um gastão. A imprensa americana tinha fascínio. Simultaneamente, se engajou no circuito das universidades, dando palestras da Costa Leste à Oeste, defendendo sua visão de que, no fundo da Doutrina Monroe, estava na verdade uma opção de todo o hemisfério Ocidental por uma política única. Queria emplacar sua visão naquele país que, intuía, se tornaria uma grande potência.

A única derrota nas fronteiras que o Brasil teve foi aquela, das Guianas. Em 1906, realizou-se no Rio de Janeiro a Terceira Conferência Pan-Americana. Os EUA estavam adaptando a Doutrina Monroe, transformando-a em política do Big Stick. Do cassetete à mesa, do franco intervencionismo. Joaquim Nabuco não conseguiu emplacar sua ideia. Era, afinal, um derrotado. Mas os EUA não tratavam o Brasil como aos outros países latinos. Então, talvez, ele que viu primeiro e acertou o timing da transferência do centro geográfico do Brasil para as Américas, para Washington, tenha de certa forma vencido.

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, com uns cabelos de um branco total, ainda com seu bigode da vida inteira, ainda com o cabelo partido ao meio como nos tempos de jovem abolicionista, morreu em Washington DC aos 60 anos.

Oswaldo

Oswaldo Aranha era gaúcho, mas gaúcho por acidente. Os seus, os Sousa Aranha, eram uma família tradicional paulista. Mas como seu avô tinha terras no Rio Grande e fundara ali a cidade de Alegrete, foi lá mesmo que o rapaz passou a infância. A educação e a formação, como advogado, foram entre o Rio e Paris. Mas já estava de volta, um homem de 30 anos, quando o capitão Luís Carlos Prestes e o tenente expulso do Exército Antonio de Siqueira Campos levantaram as guarnições do estado, em 1924, para dar início ao que seria a Coluna Prestes. Oswaldo, que de militar não tinha nada, pegou seu revólver, rendeu sozinho um trem inteiro, e se juntou aos soldados no primeiro instante da revolta. Esta militância tenentista o fez estar, em 1930, ao lado do ministro da Fazenda Getúlio Vargas quando ele fez sua revolução.

Não é pouca a gente que sugere que, no início, Getúlio era ainda um homem indeciso, e seu amigo Oswaldo é quem lhe forçava a mão. Talvez. Mas não foi por mérito que o novo presidente o tirou do cargo de ministro da Fazenda para manda-lo a Washington como embaixador, em 1934. Ele, Oswaldo, era um candidato potencial à sucessão. Convinha manter o amigo longe. Amigos queridos, dedicados, que se aproximaram e se afastaram, brigaram e fizeram as pazes, por toda vida.

História às vezes é definida por acidentes, eventos que por um único detalhe poderiam ter sido diferentes. A pedido do presidente da República, antes de ir para os Estados Unidos Oswaldo passou pela Europa, enviado especial, para negociar alguns acordos comerciais na Itália. Saiu chocado e, assustado, desejando guerra. A Rússia stalinista de um lado e a Itália de Mussolini, do outro, dominavam o ambiente político. “Se não vier uma guerra”, escreveu a Getúlio, “viveremos uma paz sem justiça, sem humanidade, com miséria generalizada.” Foi com este olhar que chegou a Washington.

Uma de suas primeiras ações foi comprar, da família do senador Joseph McCormick, sua mansão na capital para servir de embaixada. Até ali, cada embaixador que chegava alugava uma casa para viver, dando sempre uma aparência de provisória à relação. O improviso, três décadas antes no tempo de Nabuco, era a praxe. Só que aqueles já eram outros Estados Unidos e o novo diplomata queria dar mostras de que o Brasil chegava para ficar.

É um trabalho sutil, o do diplomata. Exige, por um lado, uma visão de mundo, uma compreensão do papel de cada país na esfera mundial. É trabalho para intelectuais. Exige uma noção de objetivo — qual a missão por realizar. É preciso saber mapear a estrutura de poder — quem é importante, quem não é, quem pode ajudar, quem não pode, quais são os caminhos em cada país novo. Trabalho de executivo. E é fundamental saber construir relações. Um trabalho político. Joaquim Nabuco teve todos estes talentos. Oswaldo Aranha era seu herdeiro, inclusive, na compreensão do lugar dos EUA.

Construiu uma relação sólida com o presidente Franklin Roosevelt, assim como com o secretário de Estado, Cordell Hull. Mas, com o subsecretário de Estado para as Américas, Sumner Welles, travou uma amizade para a vida.

Welles era bissexual, coisa que lhe tolheu a carreira em inúmeros momentos. Um dos mais hábeis diplomatas no Departamento de Estado, já durante a Segunda Guerra, foi obrigado a renunciar quando circulou na capital a informação de que teria tido relações com dois homens negros que conhecera numa viagem de trem. Mais tarde, foi acusado no macarthismo — não era nem de perto comunista, mas a bissexualidade era vista como quase o mesmo.

Dentre os seus amigos, era muito querido e muito respeitado. Menino, fora pajem no casamento do presidente com Eleanor. Tinha, por madrinha, a mesma madrinha da primeira-dama. Em Harvard, estudou tanto economia, quanto literatura ibérica. Quase um filho de Roosevelt, o homem nos EUA para América Latina descobriu em Oswaldo alguém com quem tinha empatia, concordância em muitas opiniões e, principalmente, objetivos comuns.

Todos estavam vendo que, ali na frente, uma guerra aconteceria. Que os EUA se veriam obrigados a entrar nela. Que a aliança com a América Latina seria fundamental — pelos portos para lançar ataques, e para evitar que o Eixo tivesse, nas Américas, também seus portos. Os países latino-americanos, porém, estavam divididos em suas simpatias. Em alguns, principalmente na Argentina e no Brasil, as colônias italiana e alemã não eram pequenas. Oswaldo, assim, era o parceiro ideal. A empatia e os interesses comuns, transformados em amizade real, só ajudavam. O fato de que os argentinos não tinham alguém como ele o tornava um parceiro ainda mais importante.

Mas foi uma relação constantemente testada. Mal passado um ano de Oswaldo no cargo, e por conta da confiança estabelecida, discretamente Roosevelt propôs a realização de uma nova Conferência Pan-Americana. A proposta foi calculada para não passar pelo Itamaraty e ser encaminha diretamente de Oswaldo para Getúlio num canal particular. O que o embaixador tinha em mente era, em essência, o objetivo de Joaquim Nabuco. Tornar a Doutrina Monroe uma política de aliança para todas as Américas. Naquele momento, havia uma chance, porque os EUA tinham pressa em construir a relação. Mas a chancelaria brasileira atropelou e quis envolver, ainda cedo no debate, a Argentina. O processo burocratizou, emperrou. A conferência de fato ocorreu, sediada em Buenos Aires, rendeu ao Brasil uma visita de Roosevelt pela política da Boa Vizinhança, mas desmanchou. A Argentina foi, para Aranha e Welles, por anos a peça difícil de lidar no quebra-cabeças.

Não só. O Brasil também oferecia suas dificuldades, e Getúlio era ambíguo. Quando deu o Golpe do Estado Novo, em 1937, Oswaldo se exasperou. Não por conta do Golpe, mas por conta da Constituição, que considerava fascista. Washington olhava com cada vez maior preocupação. O movimento integralista crescia e se aproximava do regime. E um Oswaldo preocupado, simultaneamente, lutava para manter os americanos tranquilos enquanto, por telegrama, batia boca com o amigo Getúlio. Em novembro de 1937, mal completado o Golpe, Aranha renunciou à embaixada.

Getúlio estava fazendo um jogo. Queria mandar para os EUA algumas contas. A da moratória da dívida externa, imposta após a Revolução de 1930; a modernização da infraestrutura brasileira de portos e ferrovias; o início da política O Petróleo é Nosso; e a implantação da primeira siderúrgica brasileira, em Volta Redonda. Oswaldo compreendia o jogo. Mas o momento era delicado e, sua missão, estava cumprida. A embaixada brasileira em Washington estava definitivamente estabelecida, ele compreendia em detalhes o funcionamento do governo americano, e suas relações já eram sólidas. Agora, precisava estar no Brasil. O momento era de instabilidade, e ele queria ter certeza de que não seria nas mãos do Eixo que o país ia cair.

Como não foi. Os americanos pagaram o preço, e Oswaldo Aranha se tornou ministro das Relações Exteriores. Quando a Guerra passou e formou-se a Organização das Nações Unidas, foi ele o escolhido para presidir as sessões — incluindo aquela que comandou a formação dos Estados de Israel e da Palestina. Um globalista, na visão da nova direita mundial.

O fato de o Brasil ter se juntado aos Aliados não é fruto do trabalho de um homem só. Mas ninguém trabalhou tanto por isto quanto Oswaldo Euclides de Sousa Aranha. (Seu primo, Alfredo Egídio, foi o principal financiador de Plínio Salgado no período em que montou o movimento fascista brasileiro. A história tem disso.)

Pois é…

Não é um exagero afirmar que o Brasil teve grandes diplomatas. Mais do que grandes presidentes, teve grandes diplomatas. Joaquim Nabuco e Oswaldo Aranha foram só dois deles, que tiveram em comum o fato de ocuparem o posto da Embaixada em Washington. De terem uma visão de curto prazo e de longo prazo, de mapearem o poder pela situação e oposição. Homens de Estado, muito mais do que de governo. Joaquim se manteve na embaixada ao longo do mandato de cinco presidentes. Oswaldo foi diplomata em cargos altíssimos, do Brasil e do Mundo, por mais de vinte anos.

Sumner Welles foi substituído em meio à Guerra, na relação com a América Latina, pelo jovem Nelson Rockefeller, futuro vice-presidente americano. Neto do fundador da Standard Oil, a primeira grande petroleira do mundo, Nelson e seu irmão David foram ávidos colecionadores de arte, mecenas de alguns dos grandes artistas, e apaixonados pelo Brasil. Neste período da Guerra, vinham muito ao país, onde fizeram amizades. Entre elas, nenhuma mais profunda do que aquela com Walther Moreira Salles. Ele próprio, não à toa, um futuro embaixador em Washington.

E UMA SELEÇÃO BASTANTE VARIADA DE LINKS ENTRE OS MAIS CLICADOS DA SEMANA:

1. G1: Fábrica que falsificava Ferraris e Lamborghinis é fechada em Santa Catarina.

2. Insider: Imagens do hotel, na Índia, que acabou de ser eleito o melhor do mundo pelos leitores da Travel + Leisure.

3. Não me Perturbe: Lista da Anatel para quem não quiser mais receber telefonemas de operadoras de telecom.

4. Folha: Durante a Flip, Paraty se transformou numa bolha progressista.

5. UOL: Quem é Lashana Lynch, atriz que pode ser a nova 007.

Fonte: @Meio

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