27 Mai 2019

Direita enche as ruas de um país polarizado

Militantes a favor do governo encheram as ruas ontem em pelo menos 156 cidades representando todos os 26 estados brasileiros, além do DF. Ocuparam sete quarteirões da avenida Paulista, três deles cheios, e outros sete quarteirões em Copacabana, dois com densidade. Houve quem pedisse o fechamento do Supremo ou do Congresso — eram minoritários. Durante um culto, ainda ontem, o presidente Jair Bolsonaro celebrou. “Hoje o povo está indo às ruas”, afirmou, “não para defender um presidente, está indo para defender o futuro desta nação, com respeito às leis e às instituições, mas com o propósito de dar recado àqueles que teimam com velhas práticas não deixar que esse povo se liberte.” (G1)

Vinicius Motta: “Quando surgiram as primeiras imagens de gente na rua em apoio a qualquer coisa associada ao governo, incluindo aí ataques ao Congresso e ao Supremo, Bolsonaro passou a alimentar suas redes sociais com a celebração da manifestação. Como o bom senso sugeria, houve bastante gente, mas nenhum tsunami. Tampouco houve o fracasso que a torcida à esquerda previa. O presidente ficou no meio-termo, curiosamente neste ponto muito semelhante ao apoio orgânico dado ao PT — algo como um terço do eleitorado, conforme indicam as pesquisas eleitorais neste ponto. Assim, não houve nada que assustasse o Congresso como o ato em defesa da educação da semana retrasada —cujo poderio ainda precisa ser avaliado, pois se refluir a um ambiente esquerdista, tenderá a dissolver enquanto força de pressão. O Brasil de 2019 é um país à direita.” (Folha)

Josias de Souza: “Neste domingo, o pedaço da sociedade que tem simpatia por Bolsonaro foi às ruas para ronronar por ele. Imaginar que isso fortalece o governo é uma fantasia. Em seis meses, se tudo o que o governo tiver a apresentar contra o buraco fiscal, a sedação econômica e a perversão ética for um conjunto de desculpas, o mesmo asfalto que faz ronrom pode rosnar. Pragmático, o povo não costuma ser leal senão aos seus próprios interesses. Nesta segunda, ao abrir o expediente no Palácio do Planalto, Bolsonaro continuará pressionado pela mesma necessidade de entregar o que prometeu. Para isso, precisa de três quintos dos votos da Câmara e do Senado. Os dois últimos presidentes que imaginaram que seria possível emparedar o Congresso foram mandados para casa mais cedo. Mantido o ritmo, o capitão logo descobrirá que não há popularidade sem prosperidade. E os manifestantes do dia 15 de maio e deste domingo tendem a se encontrar em manifestações conjuntas. Nessa hora, o Centrão continuará representando um problema para o governo. Com uma diferença: o preço do apoio será bem mais caro. Quem tiver dúvidas, que pergunte para Michel Temer.” (UOL)

Alon Feuerwerker: “Permanece uma tensão política. Não é entre governo e oposição. É disputa essencialmente dentro do bloco político-social que elegeu Jair Bolsonaro. Usando aqui livremente a linguagem das redes, é uma luta entre o bolsonarismo raiz e o nutella para decidir quem vai mandar. Domingo, o primeiro foi às ruas e mostrou disposição de combate. Esse é um problema do bloco que reúne os saudosos da hegemonia do agora Novo PSDB de João Doria, o bolsonarismo arrependido, o bolsonarismo escanteado no governo e o dito Centrão: se essa aliança informal mostra musculatura, falta-lhe povo. Não é sexy exigir que o presidente ofereça cargos em troca de apoio congressual ou defender que o Judiciário seja um freio ao poder do Bonaparte. A luta para reabilitar o presidencialismo de coalizão na preferência popular é inglória, pois rema contra uma lavagem cerebral de anos. A reabilitação não é impossível, mas depende principalmente de o governo fracassar na economia e, junto com isso, a base bolsonarista concluir que a culpa foi do próprio Bolsonaro, por não ter seguido os trâmites tradicionais da política. A turma que sonha com um bolsonarismo sem Bolsonaro não tem por enquanto garrafas suficientes para entregar.”

Ascânio Seleme: “O que importa numa manifestação como a deste domingo é que um grupo grande de brasileiros, honestos e sinceros na sua maioria, foi à rua pedir soluções para tirar o Brasil do buraco. Há duas semanas outro grupo de brasileiros honestos e sinceros pedia da mesma forma saídas para a crise. A diferença entre os dois times é marginal. Uns são mais humanistas, outros mais egoístas. Uns querem resultados já, outros poderiam ter resolvido ontem. Todos são brasileiros e querem um Brasil melhor para si, para seus filhos, para todos.” (Globo)

Paulo Guedes: “Se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo. A velha Previdência quebrou. Não vamos ter nem dinheiro para pagar aos funcionários. Vai ser o caos no setor público, tanto no governo federal como nos estados e municípios. A Previdência é hoje um buraco negro, que engole tudo ao redor. O déficit tem crescido cerca de R$ 40 bilhões por ano. A reforma é urgente, porque os mercados não vão esperar muito mais. Eles fogem antes. A engolfada pode vir em um ano, um ano e meio. Quando os mercados sabem que o negócio vai quebrar daqui a três ou quatro anos, eles antecipam os movimentos. O dólar já começa a subir, a bolsa começa a afundar e a classe política, que poderia estar trabalhando numa agenda construtiva de descentralização de recursos, começa a se afastar dessa pauta para apostar num impeach­ment. Esse é o diagnóstico: a curto prazo, podemos virar uma Argentina, com 30% a 40% de inflação. A médio prazo, antes de o governo acabar, uma Venezuela, com desabastecimento, inflação alta, dólar explodindo, zero investimento, desemprego elevado, atraso de salário, atraso de pagamentos a aposentados e pensionistas.” (Veja)

Míriam Leitão: “O cenário de fim do mundo traçado por Paulo Guedes não se concretizará porque o país vai agir antes. Quando a inflação chegou a 10%, o governo Dilma caiu. O Brasil não toleraria conviver com inflação como a Argentina tem feito. Desde 2011, a inflação por lá está em dois dígitos. No Brasil, dois meses foram suficientes para derrubar a popularidade da então presidente. Se voltar a ocorrer, o governante da vez terá queda forte de popularidade e, provavelmente, perderá o mandato. O cenário Venezuela é ainda mais longínquo. O ministro está ameaçando com um fantasma que, felizmente, não ronda o Brasil.” (Globo)

Monica De Bolle: “Há anos sinto que levantar algumas dessas questões no Brasil é o jeito certo de você: ser tachado de heterodoxo; de esquerdista; ou ser expulso como ovelha negra da turma de mainstreamers. Muitos de nossos mainstreamers são pessoas de reputação ilibada, que muito fizeram pelo Brasil. Isso os torna respeitados, mas não significa que algumas das ideias que abraçam não possam ser questionadas, especialmente quando se atravessa um momento sem precedentes na história econômica. Há um ano levantei a hipótese de usarmos parte dos US$ 380 bilhões de reservas que temos para reduzir a dívida pública brasileira, o que poderia ajudar na queda dos juros e do déficit nominal do governo. O Brasil não tem dívida externa significativa, e a dívida soberana está denominada em moeda local. Por que não usar um pouco das reservas para dar alívio imediato à economia? Por acaso alguém realmente acha que por esse motivo apenas o real iria derreter junto ao dólar? O que dizer das propostas de dar alívio financeiro às famílias altamente endividadas — que são também as mais pobres — por intermédio de algum programa de governo que facilite a negociação com credores? Por fim, o sacrossanto Banco Central. Por que o Banco Central deve ter uma só meta? Por que o Banco Central não deveria, também, se preocupar com o desemprego em momentos extremamente bicudos?” (Época)

Após uma semana carregada de eleições em todas as nações da União Europeia, a direita nacionalista deve levar 25% das 751 cadeiras do Parlamento continental. Tinha 20%. Esperava-se um avanço maior. Na França, um dos principais promotores da União, o presidente Emmanuel Macron, foi derrotado pela ultra-direita de Marine Le Pen. A margem entre os dois grupos foi estreita, mas houve avanço da oposição radical. Também na Itália, a vitória foi do grupo mais radical à direita, a Liga de Matteo Salvini, que levou 30% dos votos. O Reino Unido entregou uma vitória a Nigel Farage, líder do movimento Brexit, e uma derrota para os tradicionais Conservadores e Trabalhistas. Na Alemanha, a força em ascensão é dos Verdes, que por pouco não alcançou a primeira colocada Democracia Cristã, da chanceler Angela Merkel. Lá, o populismo de direita, com 11%, ficou abaixo dos 12,6% que havia ganho nas eleições nacionais de 2017. (New York Times)

CULTURA

O ano de 2019 entra para a história da participação brasileira em Cannes como um novo marco. No sábado, Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, dividiu o Prêmio do Júri com Lés miserables, do francês Ladj Ly. “Nós vivenciamos uma lenta construção da produção de filmes no Brasil nos últimos 15 anos,  por intermédio de políticas de financiamento. Agora vemos ameaças de cortes de verba para as artes, a educação. Bacurau é uma coprodução com a França, metade de seu orçamento vem de financiamento público brasileiro. Então esses prêmios que os filmes brasileiros receberam aqui se tornaram irônicos”, explicou Mendonça Filho durante coletiva. Alguém quis saber se os realizadores fariam uma sessão para o presidente Jair Bolsonaro. “Ele será bem-vindo. Pode até acabar gostando dele”, disse o diretor pernambucano.

Na sexta, A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, venceu o prêmio de melhor filme na mostra Um Certo Olhar. Inspirado no premiado romance homônimo de Martha Batalha, a trama gira em torno de duas irmãs que são separadas e acabam vivendo vidas, cada uma à sua maneira, assoladas pelo machismo. Ao receber a honraria, o cineasta cearense disse que o Brasil está passando por um “momento de intolerância muito forte” com “ataques gigantescos” à cultura e à educação. Ele dedicou a vitória a todas as mulheres no mundo.

VIVER

Brumadinho: o que aconteceu após quatro meses? Multa do Ibama não foi paga, investigados estão soltos, inquéritos criminais não foram concluídos e ainda não há réus nessas investigações. Enquanto isso, a movimentação de talude em mina da Vale em Barão de Cocais atingiu ontem 20 cm em alguns pontos, informou a Agência Nacional de Mineração. A situação de alerta será mantida enquanto a estabilidade do barramento não for atestada.

COTIDIANO DIGITAL

As ações da Apple fecharam em queda na semana passada e a expectativa é de que sigam assim. Os analistas estão sugerindo que os papeis da companhia sejam vendidos. A expectativa é de que consumidores chineses comecem a boicotar iPhones em resposta ao bloqueio imposto à Huawei pela Casa Branca. A queda de crescimento da Apple, no último ano, já era consequência de vendas mais lentas justamente na China. Quase um terço de suas vendas ocorrem lá, calcula a Goldman Sachs. Caso Beijing opte por retaliar proibindo a venda de iPhones, a queda de faturamento deve ser de 29%. Outro analista, seguindo raciocínio similar, sugere que as perdas da Apple ficariam na casa dos US$ 49,4 bilhões.

Em sua ofensiva pela imprensa global, o CEO da Huawei, Ren Zhengfei vem se declarando contrário à ideia de retaliação. “Se o banimento ocorrer, serei o primeiro a protestar. A Apple é minha professora. Como posso, como aluno, ir contra minha professora?” Mas ele ironiza a acusação, pelo governo americano, de roubo de tecnologias. “Roubei as tecnologias americanas de amanhã. Estamos à frente dos EUA. Se estivéssemos atrás, não haveria necessidade de Trump nos atacar.”

Fonte: @Meio

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *