A “Caros Amigos” traz a poesia de Manoel de Barros (parte 2)

O poeta e o jornalista e amigo Bosco Martins conversam sobre edição nos EUA. Foto: Elias Alves.

Entrevista realizada por Bosco Martins para a Revista Caros Amigos, ano XII, número 141, dezembro de 2008, e publicada em partes no site www.overmundo.com.br/overblog  em 22 de dezembro de 2008.

Testamento – O último poema

Maior poeta em atividade no país revela ao jornalista Bosco Martins que pode ter escrito seu último livro

Eu sou cuiabano de chapa e cruz. Mas fui criado no Pantanal de Corumbá, no chão de acampamentos, a ver meu pai fazendo cercas. Conheci as boas coisas do chão. Hoje o meu olhar é ajoelhado no chão a ver os caracóis da terra, as rãs das águas, os lagartos das pedras.

É assim que se define Manoel de Barros, aos 92 anos ( completa em 19 de dezembro), sem dizer que é um dos maiores poetas contemporâneos e um dos poucos a a integrar o seleto grupo dos que já venderam mais de um milhão de livros. Mas ele explica: “Tenho paixão pelas coisas sem importância. As coisas muito importantes me aniquilam.” Quase surdo, com os olhos lacrimosos de quem pouco vê, recém recuperado da perda de um filho, morto há um ano num acidente aéreo, Manoel confessa ainda, nesta entrevista exclusiva à Caros amigos, que seu novo livro, o último volume da trilogia que desvenda sua autobiografia, “Memórias Inventadas: A Terceira Infância” (Ed. Planeta) pode ser o último livro de sua carreira.

Último livro 

Meu último livro está aí lançado agora (Memórias Inventadas: A Terceira Infância, Ed. Planeta), e tenho recebido muitos telefonemas do Brasil inteiro sobre esse livro, que é um livrinho exíguo, sabe, mas é meu último livro, é alguma coisa que eu ainda precisava dizer. É meu último livro.

Último livro?

Manoel de Barros – É meu último livro.

Não escreverá mais nada?

Manoel de Barros – É meu último livro. Por enquanto, é meu último livro. Mas sei lá, sabe, pode acontecer…

Limites da idade e angústia

Me angustia, sim. Porque a literatura e qualquer arte serve para desabrochar a imaginação. E se você não tem boa leitura, não tem boa musica, não tem boa pintura, a sua imaginação fica um pouco embotada, fica um pouco sem caminho. Eu tenho escrito muito pouco. A minha imaginação criadora está muito prejudicada. Eu estou bem castrado, sabe. Mas não é culpa minha, velho é isso mesmo, tem limitações. A gente tem que aceitar sem chorar. 

Record versus Planeta

A editora Record quer lançar minhas obras completas, mas a [ed.] Planeta, que publicou um livro meu só, não quer ceder os direitos para eles. Então está preso o livro de minhas obras completas. Eu não vou brigar com a Record e nem com a Planeta. Eu vou esperar meu contrato terminar. Mas sei lá se vou esperar… 

Dinheiro e poesia?

Manoel de Barros – Ganho muito [dinheiro com a poesia]. Eu vendo muito bem, sabe. Primeiro eu recebo um adiantamento, e a venda dos livros paga o adiantamento e daí fico recebendo pela vendagem dos livros e dos outros que já estão publicados. Não é dinheirão, não – mas dá para viver. E recebo muitos prêmios também. Acaba que dá uma boa média. 

Tradução para o Inglês – Eu tenho algumas traduções fora do país, mas não tinha nenhuma em inglês. Tenho em espanhol, alemão, francês e até em catalão. Teve um sujeito que tentou uma tradução minha para o inglês, mas ele veio falar comigo que broxou, porque tinha que inventar muitas palavras. Para minha tradução francesa, o tradutor teve que escrever mais de vinte cartas para mim. E o tradutor do alemão, que é o mesmo de Guimarães Rosa, também, fez a mesma coisa. 

Lançamento nos EUA?

Manoel de Barros – Eu não lanço nada. Essa palavra lançar, lá em Cuiabá, quer dizer vomitar. Então eu nunca vomitei aqui e nem vou vomitar lá fora. Eu sempre tive editores, sabe. O primeiro foi o Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, que me conheceu por acaso, eu acho que foi pela coluna do Millôr Fernandes, que teria lido um livro meu. Ele me telefonou, e eu fiquei espantado, bugre fica espantado, e me disse que queria publicar um livro meu. Até os 60 anos eu não tinha editor, mas já tinha publicado 8 livros.

MANOEL DE BARROS PRA INGLÊS LER 

Por João Carlos Gomes e José Santini

O poeta completa 92 anos e ganha tradução de sua obra para o inglês e publicação nos EUA.
Leia a entrevista exclusiva para Caros Amigos com suas tradutoras: Idra Novey e Flávia Rocha

Durante os dez anos em que morou no profundo sertão pantaneiro, administrando a sua fazenda Santa Cruz, Manoel de Barros não escreveu um só poema. Embora o pantanal seja o palco de seus versos, a produção de sua poesia é urbana. E ele admite a influência da cidade de Nova York na sua formação poética, por conta do período em que morou na metrópole americana, após uma viagem pela América Latina, vivendo com índios no Peru e na Bolívia.

Foi diante dessa poesia desafiadora que Idra Novey e Flávia Rocha resolveram traduzi-lo. Elas são as responsáveis pela primeira tradução do autor para o inglês: “A selection from shelter: The selected poems of Manoel de Barros”, ainda sem previsão de lançamento, é o título definitivo da antologia que Caros Amigos teve acesso exclusivo.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista exclusiva:

Idra Novey 

“Numa tradução, a gente vai decidindo o que sacrificar ou o que preservar do poema original, palavra por palavra”

Quem é 

Poeta e tradutora americana, tem 29 anos. Mestra da em poesia na Columbia University, em Nova York, onde hoje também leciona poesia. Ganhadora do P.E.N Translation Fund Award, um dos mais prestigiados prêmios de tradução dos Estados Unidos, pela tradução dos poemas de Paulo Henriques Brito, de 2005. Dedica-se a ensinar poesia para detentos da penitenciária de segurança máxima de Nova York, no programa de formação universitária para presidiários do Bard College. Traduziu a maior parte dos poemas de Manoel de Barros para o inglês.

O que publicou

Organizou e selecionou os poemas de The Next Country, de 2005, e é a tradutora de The Clean Shirt of It: Poems of Paulo Henriques Britto, de 2007.

Flávia Rocha 

“E acho que a tradução é uma transformação e uma apropriação das palavras”

Quem é 

Jornalista e poeta paulistana, tem 34 anos. Mestrada em poesia na Columbia University, em Nova York, é uma das editoras da revista Rattapallax. Como jornalista trabalhou para Bravo!, Carta Capital, Valor Econômico e para a revista The New Yorker. É co-fundadora da Academia Internacional de Cinema, com sedes em São Paulo e Curitiba. Recentemente recebeu uma bolsa de apoio a produção de poesia da Biblioteca Nacional. Organizou e selecionou parte dos poemas para a tradução de Manoel de Barros para o inglês.

O que publicou 

A Casa Azul ao Meio-dia, de 2004, uma seleção de poemas que foi também sua tese de mestrado.

A tradução será uma antologia de poemas, e foram quantos poemas traduzidos ao todo?

Idra Novey – Traduzi 75 poemas ao total. A ideia é oferecer uma introdução a poesia de Manoel em inglês. É uma seleção de poemas importantes, exatamente igual ao que fiz para o livro de Paulo Henriques Brito, que traduzi no ano passado.

Flávia Rocha – É uma antologia de poemas selecionados de vários livros. Não tem nenhum livro que predomina, porque uma da característica mais marcante de Manoel de Barros é justamente a capacidade de ter um estilo muito definido, e os livros todos parecem fazer parte de um mesmo projeto, eles dão continuidade a uma linguagem e a um projeto linguista que ele propõe. Eu acredito que dentro da toda obra dele há alguns poemas que falam mais ao leitor, e esses poemas não estão necessariamente em uma seleção.

A poesia de Manoel de Barros é muito rica em palavras inventadas. Como foi que vocês trabalharam isso nas traduções? 

Idra Novey – Parte do que me atrai na poesia de Manoel é a sua utilização de neologismos e as estruturas gramáticas surpreendentes. Isso faz o leitor perceber a linguagem com um novo olhar, e através da linguagem perceber o mundo com novos olhos. Tentei criar neologismos, na medida do possível. Às vezes é difícil inventar uma palavra que tenha o mesmo alcance, e não pareça uma tradução literal ou excessivamente forçada, mas é exatamente este desafio que me atraiu para o projeto. Por outro lado, como poeta, também quis traduzir os poemas com liberdade suficiente para uma boa poesia em Inglês, com a música e a fluidez capaz de agarrar a atenção e as emoções do leitor. Numa tradução, a gente vai decidindo o que sacrificar ou o que preservar do poema original, palavra por palavra.

Flávia Rocha – Eu não gosto de notas de rodapé ou coisas desse tipo de coisa. Eu acho que o poema tem que fazer sentido em si. Às vezes a tradução não vai conseguir, dependo do leitor, atingir o que é o poema. E quando você trata de um poema com forte ligação regional, isso se perde ainda mais. Mas a gente tenta manter o máximo possível de ligação com o regional, mas isso passa a não ser tão importante no conjunto geral das coisas. O importante é que o poema funcione.

Como é resolver traduzir e lançar um poeta que, além de latino-americano, é ainda desconhecido nos Estados Unidos? E esse tipo de trabalho recebe algum apoio ou é facilmente aceito pelo mercado editorial? 

Flávia Rocha – Isso agente sabia que seria difícil, porque ele é um poeta totalmente desconhecido [nos Estados Unidos]. Adélia Prado, por exemplo, é mais conhecida, como também o Ferreira Gullar. É que depende muito, quando você fala de poetas brasileiros ou mesmo de autores de prosa. [Depende] do projeto pessoal de algum tradutor americano que tenha se encantado com o autor. Não são fatores de mercado, são projetos pessoais de tradutores, com interesses individuais envolvidos nesse mercado literário de ficção, que é muito pequeno e muito restrito às universidades.

Idra Novey – Mas para essa tradução eu ganhei uma bolsa da National Endowment for the Arts (NEA). Uns dez tradutores, poetas e escritores ganham bolsas do NEA todos os anos. É um programa governamental. A idéia é que com a bolsa o autor possa deixar de trabalhar por um tempo, ou trabalhar menos, para poder terminar o livro.

Como foi o contato de vocês com Manoel de Barros para realizar as traduções? 

Flávia Rocha – Antes de começar a traduzir, eu entrei em contato com ele. Ele deu muita liberdade para as nossas escolhas, nos deixou muito livre no nosso trabalho, desde o princípio, sem qualquer restrição. A gente não sabia como ele receberia essa ideia, ainda mais por ser uma poesia que tem um trabalho de linguagem e uma conexão local muito grande, mas ele recebeu muito bem, o que eu acho que demonstra uma visão de que a poesia se transforma em outras coisas, usando essa ideia transformadora do próprio Manoel de Barros. E acho que a tradução é uma transformação e uma apropriação das palavras.

Bosco Martins – é correspondente da Caros Amigos/MS, colaborador dos sites: Comunique-se, Overmundo e Cronópios. reporterbosco@gmail.com

João Carlos Gomes e José Santini – são jornalistas. joao.carlos.los@gmail.com

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *