Patética

…deitei-me às quatro e levantei-me às sete
Não sei nem poderei precisar se dormi…

Atordoado ergui-me do leito morrendo de frio,
sem saber o que fazer!

Uma onda de tristes pensamentos,
alvoroçaram minha alucinada imaginação!

Uma tristeza infinda… Uma melancolia,
pela fadiga moral, me interditava o cérebro exangue!

Um silêncio brando atraía-me
e inconscientemente,
deixei-me levar
através da inconsciência
num magnetismo hipnótico
que me arrastou através de sua vontade

Não era mais um homem, um ente humano que caminhava;
era antes, um autômato guiado por uma força invisível,
estranha e inexplicável, que na razão inversa da luz,
viandava na obscuridade turva da morte.

Nada! Nem um pensamento sequer cruzou-me o cérebro
neste momento de sonambulismo!
Nem uma imagem fora retratada pelas minhas retinas cristalizadas
num ponto misterioso que não se via…

Quem sabe fosse além da vida antropocósmica!
Nada meus ouvidos recebiam
desse mundo exterior que me envolvia!

Tudo! Tudo para mim desta vida transitória e incerta não existia;
apenas, majestosamente, o nada destendia-se ao longo por onde me arrastava…

Parei! Parecia-me estar num mundo esquisito,
numa cidade docemente silenciosa
e cheia de flores que rescendiam e brilhavam sob a luz de Febo
e irradiava vida por entre as gelosias bizarramente góticas
das nuvens azuis (cor de minha alma)
que buscava numa interrogação muda,
Onde estaria eu?

Parecia-me estar entre o lendário, o imaginário mundo dos gnômos!
Lliliputeanos castelos ornamentados de bronzes polidos
que ofuscavam aos ósculos do Astro-Rei,
davam uma nota artisticamente bizarra e exótica
nas suas paredes brancas, negras, amarelas, azuis e griz
todas mancomunadas entre si, formando um império onírico.

Pilastras; colunas romanas talhadas em mármores pedras de carrara,
evocavam remotíssimas eras.
Plintos, capitéis, cheios de altos relevos de bronze e metais diversos
que resplandeciam numa artística fogueira, sobressaiam do alabastro,
betume rosa, amarelo antigo mármores dos mais caros e belos que jamais vi.

Lustrosas escadarias bem acantonadas
e acabadas em granito azevícheco salpicado de cinza e branco!
Vitrais matisados de cores berrantes e tristes,
por onde filtrava-se o sol em torrentes, banhando o interior
dessas minúsculas abóbadas, de sangue, violeta maravilha, naco…

Enfim, uma fantasia de tons,
fundia-se numa algazarra festiva de jatos policrômicos.

Serpentes aladas e enrodilhadas
sugavam o leite dos duros seios sensuais
das Vênus abraquias, esculpidas em pedras,
com aprimorados zelos e carinhos
por renomados mestres de uma antiguidade
de Buonarotti e Vince…

Casinhas; Igrejinhas; grutas talhadas
com a paciência madre da mãe-natureza,
na rocha funda e viva…
Esfinges dormentes a contemplarem
o vácuo infinito de outras vidas
numa filosofia muda…

Deuses!… Anjos!…
Tudo numa simetria de nave, numa morfologia carinhosa,
lembrando os templos pagãos, onde sobre cada pedestal
que servia de genuflexório ao religioso paganismo, ostentava um Deus!

Era o édem, no maravilhoso Olimpo que eu me encontrava.
Largas alamedas ornamentadas de ciprestes,
exalavam um suspiro de insenso!…

Belo paraíso! Grande felicidade reinava naquele paradisíaco recanto,
onde a paz tumular do céu baixou até ele para evocação do silêncio dos Santos!!!

Aves cheirosas gorjeavam nos seus trombetins,
parecendo toques celestes dos serafins
em chamar para o “Vale de Josefá”,
as imortais almas dos homens para o sagrado juízo final.

Entre o aroma misturado que saturava o ambiente
algo fazia-me pensar sobre o aroma de terra
revolvida de fresco em cheiro gostoso
que penetrava pelas narinas e ia afagar docemente
a desordenada revolução dos pensamentos,
pondo-os em fileiras, em alas bem alinhadas,
(como soldados numa parada militar)
Uns atrás de outros, postados firmes como postes de aço
numa correção irrepreensível e insofismável…

Tudo neste maravilhoso País de fadas,
era esculpido por divinais escarpelos e buris,
em mármores cuidadosamente brunidos,
que os cantos resplandeciam, pontilhadamente reluzindo;
pareciam de Luz:

Vês? Lá está Vênus… com seus olhos vedados,
como oscila com absoluta precisão a balança que ela sustenta
como é ameaçadora a sua pesada espada de dois gumes
que em riste de ferir ela aguarda o momento oportuno!…

-Deusa! Deusa da Justiça!
Justiceira figura que fere sem ver, devido a venda
para não trepidar ante espetáculos que seus olhos poderiam presenciar…
Diga-me, porque você está aqui? Ouça-me! responda-me:
– Onde nós estamos? – No país do eterno silêncio;
por isso, não me perguntes mais nada.
E, com essa resposta lacônica tornou-se novamente altiva e muda.

Como no imortal San Michele, uma auréola de ouro flamejante
circundava o rosto de uma ninfa que se assemelhava a uma Madona Florentina,
é Artémis Lafria a austera deusa de mármore,
como a rápida flecha de sua aljava, sai da penumbra,
entrando na vida radiosa, parecia um sonho lindo!

Figuras mitológicas que saiam com vida de um baixo relevo grego.

Agora um disco solar radioso fulgurante,
coroa de novo a cabeça mutilada de Akanateu,
o sonhador real das margens do Nilo, o Filho do sol.

A seu lado está Osíris, O huis da alma humana, e Horus,
com a cabeça de falcão; a misteriosa Ísis e Nefis,
sua irmã, com Anubis, o guarda da tumba a seus pés.

-Tu, quem és, ó belo mancebo louro?
-Sou filho daquele que vês ao longe, por detrás dos horizontes, que se chama Tanátos.
Sou Hipuos, Deus do sono, irmão da morte e filho da noite.

-E tu, és deus ou demônio?
Quem és, e quem é este teu amigo ou ajudante rodeado por legiões de almas?
-Grande blasfemador, vil, iconoclasta.
Não vês que sou aquele que tanto imploraste?
Não vês acaso que sou o Deus do Amor e este e o meu primeiro ministro, Cupido?

-E tu, ó Augusto sofredor, quem és e porque pregaram-te nesta infamante cruz?
Grandes deveriam ser as tuas culpas, não?
-Deixa-me ver melhor…

Ah!… São espinhos que ornam tua cabeça, dilacerando as carnes magras de tua fronte?
-Herege, qual a ti, fizeram-me, reduziram-me no que vês…

Era eu a verdade cobriram-me de enxovias…
Era eu a luz, crucificaram-me para viverem nas trevas!

Ainda ecoavam aquelas palavras vibrando pelas abóbadas das igrejinhas
e palácios de mármore, quando percebi uma calma estranha,
como se de uma inocente criancinha, a vida esvaia-se.

Um monstro negro que se levantava das brumas do horizonte abaçanado,
abrindo a bocarra monstruosa e imensurável, para tragar os cosmos e a luz,
deixando apenas entrealuzir, o dia, por entre as infindáveis cáries
de seus dentes velhos e podres,

Era tanátos, a mãe do sono e da morte que se avizinhava um sussurro
imperceptível das clorofilianas funções do mundo vegetal.

Agonizava o dia!!!
Olhei ao redor, tudo dormia submerso no silêncio!
A própria Têmis com sua altivez austera, havia baixado a sua afiada espada
para não ferir a garganta da noite que de mansinho se aproximava com o fim do dia…

O deus de cabelos louros e encaracolados, também com seu orgulho pedante;
e o outro deus com seu primeiro ministro, haviam se eclipsado.

Somente brotava uma luz brilhante da auréola daquele que me chamara: HEREGE.
O Deus dos deuses era ele… – O Augusto Mártir.

Tudo caía num místico silêncio.

Tinha estado sem saber e ido sem perceber na misteriosa cidade da eterna paz.
Onde todos os seres se igualam.

Quando saí do reino do Olimpo!
Além desta porta marulhava em torrentes desenfreadas,
o Encaroute, que transpunha o seu caudal tredo, ígneo
e rumorejante, através dos céus e infernos!
Além desta porta distendia-se o Olimpo!

Porque não voltar e “viver”
nesta paz crespucular
de mel netarino do abandono?

Porque seguir nesta misteriosa
corrente da vida
que numa avalancha desenfreada de hecatombes,
arrasta a humanidade
no inferno triunfador da civilização?!!!

Porque seguir nesta corrupta
onda que prolifera monturos das trevas;
esta bestíalica onda de almas depravadas
que crucificou impedernidamente aquele homem,
que dissera ser o Caminho e a Verdade!!!

Porque seguir neste caudal
carbonizante do Eucaronte
que nos leva no Olimbo e no Erebo; e,
não seguir, retrogradativamente os passos,
e abraçar num amplexo
de amor infindo, este punhado de terra
que exala o olor macio da eternidade,
que penetra dentro de nós,
dentro de nosso escrínio âmago
e faz-nos trepidar entre o remorso,
o abandono, a fé, a covardia, a coragem,
o medo, o inconsciente instinto de conservação,
e o Nada?!!!

Oh!!! paupérrima e fraca matéria…
Porque as seitas e religiões
em todos os seus dogmas
hão de privar os homens
de buscar o sossego,
se é esta a verdadeira,
e purificada, ilibada e concreta
religião da humanidade?!!!

A MORTE!!!
Esta,
que será mais senão
a última página do livro da Medicina?
(Onde a Medicina mergulha-se nas trevas,
surge a luz pura e tranqüila da MORTE!!!)

Quem somos nós para compreendê-la,
se o ser supremo fê-la, maior que
a intelectualidade humana,
para não podermos jamais
alcançar a sua Verdade?!!!

Porque hão de pintá-la um gênio infame,
se ela é sempre das vezes,
mais bondosa que a Vida?!!!

Ela é o bendito anjo
que ceifa os sofrimentos
materiais e psíquicos!
O bálsamo lenitivo das almas sofredoras!
O símbolo da paz e do sossego!
A orquestra Edênica da eternidade!

E nunca a fada negra e descarnada
que ronda saltitando de alegria,
castanholando os ossos, numa dansa macabra,
como o crucitar horrendo dos corvos,
prontos a disputarem a rica presa,
e entoar o epinício da destruição
com sua ceifa afilada,
e que de todos os lados, fere, sem olhar,
os seus grandes golpes mortíferos…

Estava no Efebo,
No Olimbo,
No inferno da Civilização!
Estava, agora,
Outra vez entre os homens,
onde tudo o que é a intelectualidade
de Mefisto (Goethe que o diga)
pudesse criar.
Lá estava para se ver,
audir e sentir!…

De repente um grito
estridente trouxe-me
de volta a este mundo de decrépitos
Perambulo agora como um bêbado inconsciente
na constante luta a procura de libertação

Sou um vegetal
aqui neste mundo!
Sou um parasita
Caminho impunemente como um alucinado
Um louco
desvairado
Agora, apenas, caminho
Não tenho paz
Não quero a luz
Caminho torto
Eu e meu canto
Sem ilusões
Sem esperança
Sem alegria
Sem direção
SEM CRENÇA.

Novembro de 1979, por Bosco Martins

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